(CONTO) Os Homens que Destruíram seu Planeta
Meridiano
Donato achou que nunca iria ficar velho, mas ficou. Cada tostão que ele roubara
era guardado numa conta suíça, mas, fato era, que boa parte deste dinheiro
ajudava a financiar pesquisas privadas sobre envelhecimento ou congelamento
humano. Tudo isto tinha apenas como fim o simples fato de que Meridiano Donato
queria viver para sempre. Ele queria ser jovem para sempre ou, se isto não
fosse possível, pelo menos ter seu corpo congelado, podendo voltar num futuro
distante, com toda a tecnologia astronauta e governos burocratas modernos,
ainda mais poderosos, para poder se eleger.
Não foi assim!
Meridiano Donato envelheceu como todas as criaturas humanas. E apesar de
menosprezar os pobres, em diversas de suas campanhas, ou pisar em cima das
mulheres, que ele teimava em chamar de vagabundas, Meridiano Donato
irremediavelmente morreu às duas horas da tarde, horário de Brasília, no
Hospital Nobre Filho Júnior, nas mãos de um dos médicos mais brilhantes e prepotentes
do continente, com três diplomas em Harvard, cinco prêmios internacionais e com
um preço tão caro que só a corrupção de um país inteiro poderia dar conta de
pagar.
Saiu nos
jornais. Saiu nno canal de televisão do Cubo. Saiu o velório do Donato, com
todos os famosos chorando, com suas roupas pretas, enprestadas dos costumes
estado-unidenses. Nomearam a rua da Felicidade de Meridiano Donato; o prefeito
compareceu, o jornal, a primeira dama e todos choraram o Meridiano que não
estava mais entre nós.
Enquanto
isto, houve um suspiro que ninguém conseguiu ouvir. Naquele exato momento, às
duas horas da tarde, quando fora dada a hora da morte, um suspiro ensurdecedor,
mas impossível de ser ouvido pelos surdos, foi captado pelas antenas de alguns
ufólogos, acreditando se tratar de contato alienigena. Mas não era.
Meridiano
Donato foi conectada a uma máquina ultra-dimensional imperceptível para a
ciência primata da época, e foi levado com urgência para um tribunal muito
especial.
- Onde
estou? – disse Meridiano confuso.
- Seja
bem-vindo alma Aroé! Agora eu imagino que você já saiba que seu nome verdadeiro
é Aroé e não Meridiano Donato – disse uma voz angelical na forma de aurora
boreal.
- Eu me
lembro! – disse Meridiano com alegria!
- Você
também se lembra qual era sua missão?
- Eu me
lembro de tudo.
A voz
então, leu algumas frases no relatório sobre o caso da alma Aroé e então disse:
- Aroé,
você destruiu o seu planeta, quando deveria protegê-lo. Não adianta tentar usar
sua articulação política, favorecida pela ignorância das pequenas almas que
habitam o planeta Terra. Agora, sente-se ali naquela mesa com aquelas outras
almas que também ajudaram a perpetuar a miséria e destruição e aguarde!
- Estou no
inferno? – disse Aroé assustado com o veredito.
- Não.
Sinto em lhe dizer que almas como você não vão parar no inferno. Você não fez
só o mal, meu caro, você, infelizmente, ajudou a destruir a estrutura
planetária.
- É pior
que o inferno?
- Na
realidade, inferno não existe. Existe apenas consequência. A semente que você
plantou causou destruição. Viu ali? Olha aquela imagem! É você fechando acordo
corrupto com aqueles camaradas que vendem veneno para comida. Eles conseguiram
plantar o veneno, está vendo? Você sabia que era errado, não é? Você leu os
relatórios d eimpacto ambiental, mas mesmo assim você deixou passar a lei.
- Eu queria
ser rico, ter poder. Tinha uma moça na escola que não gostava de mim. Ela me
disse para eu me afastar, então...
- Então a
gente já sabe que você tentou estuprá-la, mas como ela te bateu e conseguiu
fugir, você ficou muito, muito bravo com as mulheres. – disse o anjo
calmamente.
- Ela me
feriu com a sua negativa. Como assim me dizer não?
- Então
você quis se vingar! Ficou poderoso, destruiu a vida da moça - que morreu cinco
anos depois - destruiu a família dela, tornou-se um homem com muito dinheiro,
ganhou propina de empresas e conglomerados, fez de tudo para diminuir qualquer
possibilidade de mais mulheres poderem dizer não e ter suas vozes respeitadas,
corrompeu, mandou assassinar e atualmente mais de 2,4 milhões de pessoas serão
atingidas pelas suas ações tenebrosas futuramente, porque a sua corrupção vai
se perpetuar por um bom tempo. – disse o anjo um pouco fatigado.
- Sinto
muito.
- O estrago
está feito. Está vendo este mundo? Você será levado com todas estas pessoas
para viver lá.
- Parece a
Terra. Achei que ia para o inferno, vou voltar? – disse Aroé aliviado.
- Sim! É a Terra,
mas o caminho é longo. Você terá que ir a pé e sentir a dor de cada pessoa a que
fez mal. A cada passo que você der, você vai sentir a dor de uma pessoa que
ajudou a matar, torturar ou fazer sofrer.
Um espírito
em forma de bolha de sabão se aproximou do juíz e sussurou em seu ouvido.
- Bem
lembrado! – disse o juíz aurora boreal. Sim, você também terá que sentir a dor
de cada animal que ajudou a matar.
- Mas, todo
mundo come carne.
- Carne,
leite, ovos, mel, carmim, sabão e tudo mais – disse o juíz pronto a bate ro
martelo.
- Mas, todo
mundo faz isto!
- Aroé,
você sabia! Você sabia o que todos estes animais passavam. Você leu os
relatórios, você viu os filmes, mas você mandou matar um ativista porque ele
iria conseguir alertar a população ignorante e isto porque você fechou um
acordo de corrupção com o matadouro Surreal. É por isso que você irá sentir as
dores deles também. Só depois de entender o que você fez cada indivíduo passar,
você chegará à Terra e nascerá de novo. Quem sabe assim você não aprende que
destruir nunc aé a melhor solução? – disse o juíz sorrindo.
- Posso
nascer em família rica?
- Aroé,
quando você chegar no planeta, não haverá mais nada lá. Você nascerá em um
tempo onde a Terra estará sofrendo as consequências mais absurdas das ações que
você e outros hominídeos ajudaram a completar. Sinto em dizer, mas esta é uma
lei universal: o que se planta, se colhe.
- Mas se eu
vou pagar, o que acontece com as pessoas que eu mandei matar? Aquelas que
tentaram impedir minhas ações?
- Estas
foram para Órion. Elas eram construtoras. Elas vieram com a missão de construir
uma Órion na Terra, mas como a maioria de vocês decidiu pelo caos, os
construtores, ao morrerem, foram enviados de volta.
Aroé
começou a chorar como uma criança e a aurora boreal juíza tentou lhe abraçar,
iluminando a alma de Aroé de várias cores. Pela primeira vez, Meridiano Donato
ou Aroé percebeu que iria pagar pelo que fez e não era em prisão domiciliar. Ele
sabia que ele iria para um lugar mil vezes pior do que o inferno cristão
parecia ser, afinal, não era castigo puro e simples, mas ele iria enfrentar as
consequências dos espúrios e conspirações que ele mesmo ajudara a plantar. Ele
sabia que o que estava construindo quando político era apenas caos, mas ele,
acreditando que viveria para sempre, pensava que iria se safar desta. Um dia,
ele confessou à sua esposa que não acreditava naquelas bobagens
fundamentalistas, apesar de fingir muito bem, aliás. Sua mulher então, deu uma
longa risada e lhe disse que já sabia! “Claro, se Deus existisse, a gente
estaria ferrado, ela disse.”
Aroé tinha
se enganado.
- Deus me
puniu! – Aroé disse abaixando a cabeça.
- Aroé,
Deus não existe. Não este Deus na sua cabeça. O que existe é apenas uma
simulação artificial de uma inteligência superior, que você não compreenderia
se eu te explicasse agora. A simulação ajuda o caos a se organizar. Você é caos
e caos planta caos. Você vai voltar para a Terra e colher as sementes das suas
ações porque você precisa ver com os seus próprios olhos o que este tipo de
crime gera. Assim, você aprende! – disse o anjo dando um tapinha em seu ombro.
Aroé,
então, foi se sentar junto aos milhões de formas corrompidas que cometeram crimes como ele e então
reconheceu alguém:
- Senhor HQ!
Realmente, não te imaginava em outro lugar!
-
Sinceramente, eu sempre achei que iria me safar desta, mas cá estou! – disse HQ
com olhos furiosos.
Quando os homens
e algumas mulheres começaram a caminhar, eles começaram a chorar de desespero.
Aroé começou sentindo uma imensa tristeza, depressão e tendência suicídia. Ele
sentiu que estava tirando sua própria vida e se desesperou. Um ser em forma de
prisma lhe assegurou que aquilo não era real e que ele estava apenas
experimentando a consciência da criatura que havia cometido suicídio. Depois, o
prisma lhe pediu para se lembrar do dia em que havia aprovado uma lei que
facilitava a impunidade de estupradores, ajudando a culpabilizar a vítima. Ele
então percebeu que estava sentindo a consciëncia de uma mulher, que havia se
matado após a lei ter sido aprovada e ela ter sido humilhada por ter sido
violentada. Naquele momento, Aroé tremeu de medo e sabia que passaria por isso repetidamente,
com cad auma das mulheres que ele tinh ajudado a destruir; ele estava quase
enlouquecendo quando foi tirado dali. O prisma então lhe acordou e ele começou
a chorar desesperadamente. Ele pediu perdão por tudo que tinha feito e então
foi colocado para dormir e sonhar com vagalumes. Foi somente depois que se
acalmou, que o prisma lhe acordou e lhe disse que deveria retornar para o
caminho. Aroé sentiu as balas em seu corpo. Ele então se lembrou do momento em
que tinha feito um acordo com a polícia para limpar a cidade dos meninos que
habitavam a rua e depois de uma eternidade, ele começou a sangrar e, em
desespero, foi colocado para dormir e sonhar com folhas caindo. O processo
ocorreu em doses homeopáticas e 50 anos na Terra já haviam se passado desde a
morte de Meridiano Donato.
No planeta,
não havia mais água limpa e a comida era tão imprópria para consumo, que quem
se alimentasse dela estava fadado ao câncer. As pessoas, desesperadas,
começaram a roubar água mineral nos supermercados, mas quando esta finalmente
acabou, elas começaram a se roubar e matar entre si, até que os sobreviventes,
agruparam-se em grupos paramilitares e fecharam as poucas fontes de água
poluída. Os ricos fugiram para os Estados Unidos, mas lá, também havia caos e,
como eram brasileiros, eles não conseguiram entrar no grupo de pessoas
especiais que iria fugir para Marte.
O caos
havia tomado conta do planeta. Mulheres e crianças sobreviventes foram
escravizadas como objetos sexuais. Vivia-se praticamente no deserto e havia
somente miséria. No final, apenas alguns meninos eram salvos e separados para
se tornarem os próximos militares do bando. Havia fome e canibalismo e foi
nesta imensa devastação que nasceu Aroé, antes conhecido como o político,
deputado federal e depois governador do estado e presidenciável Meridiano
Donato.
Não nasceu
no caos. Não nasceu no lixo tóxico. Tudo aquilo que ele ajudara a criar estava
longe. Ele nascera no meio da floresta, junto a uma comunidade ecológica, que
desconhecida conseguira sobreviver sem invasão e violência. Fora educado e
amado pelos pais, que eram muitos. Ajudava a preparar a alimentação coletiva a
base de plantas do mato, muito nutritivas, e crescera feliz até completar
dezoito anos. Um dia, fora colher algumas ervas a pedido de uma de suas mães e
demorou-se. Quando voltou, viu duas de suas mães e quatro de seus pais mortos
no chão. Um homem com uma arma estava cortando os pedaços dos corpos para comer
mais tarde e o menino, que agora se chamava Antônio, ficou em estado de choque.
Ele aguardou até que os homens paramilitares se afastassem e, então, sem conseguir chorar, ele ajoelhou-se no chão, abatido. Antônio, Aroé, Meridiano Donato, viu ali o seu mundo ser destruído por criaturas ignorantes. Viu suas mães e pais serem mortos e terem seus corpos invadidos e desrespeitados, viu suas irmãs serem escravizadas pelas mesmas leis que antes ele apoiou em outra vida, quando na pele de um importante político. Ele viu sua horta e seu saber ser destruído pelo fogo da ignorância, assim como ajudou a destruir os saberes ecológicos dos povos indígenas, que mandou exterminar; ele viu as bibliotecas dos livros antigos serem queimadas, assim como ele queimou as escolas dos pobres que não tinham condição de pagar; ele fechou os olhos, ele queria acordar de um pesadelo; ele então recebeu indiscretamente um empurrão na cabeça por uma força invisível e então se lembrou de suas vidas passadas. Ele percebeu o que estava fazendo ali e que aquilo era sim um pesadelo: o pesadelo que todo homem destruidor de planetas cria para si mesmo, sem saber. Ele percebeu, enfim, que toda a maldade, toda a ambição, toda a covardia, toda a gula, sentimento de posse, toda a sua idolatria barata, seu sexismo compulsivo, seu racismo disfarçado, sua homofobia deprimente, seu furor pela matéria só podiam levar àquilo. Todas e todas aquelas ações vazias podiam sim lhe trazer um conforto material imediato, mas, à longo prazo, o caos só pode gerar caos. Lembrou-se dos champanhes, das prostitutas, dos diamentes em pescoços alheios, das vontades compradas, dos carros com cheiros, dos shoppings fechados somente para brancos. Lembrou-se, lembrou-se, calou-se na escuridão de seus pensamentos e então pôde entender que ele, sem mais nem menos, fora um tolo. Fora otário, fora apenas um pedaço de ignorância, que mal poderia entender que à curto prazo, tudo parece maravilhoso, mas que à longo prazo, aquela semente putrida que habitava seu coração vazio só poderia tê-lo levado ali. E o levou!
Ele aguardou até que os homens paramilitares se afastassem e, então, sem conseguir chorar, ele ajoelhou-se no chão, abatido. Antônio, Aroé, Meridiano Donato, viu ali o seu mundo ser destruído por criaturas ignorantes. Viu suas mães e pais serem mortos e terem seus corpos invadidos e desrespeitados, viu suas irmãs serem escravizadas pelas mesmas leis que antes ele apoiou em outra vida, quando na pele de um importante político. Ele viu sua horta e seu saber ser destruído pelo fogo da ignorância, assim como ajudou a destruir os saberes ecológicos dos povos indígenas, que mandou exterminar; ele viu as bibliotecas dos livros antigos serem queimadas, assim como ele queimou as escolas dos pobres que não tinham condição de pagar; ele fechou os olhos, ele queria acordar de um pesadelo; ele então recebeu indiscretamente um empurrão na cabeça por uma força invisível e então se lembrou de suas vidas passadas. Ele percebeu o que estava fazendo ali e que aquilo era sim um pesadelo: o pesadelo que todo homem destruidor de planetas cria para si mesmo, sem saber. Ele percebeu, enfim, que toda a maldade, toda a ambição, toda a covardia, toda a gula, sentimento de posse, toda a sua idolatria barata, seu sexismo compulsivo, seu racismo disfarçado, sua homofobia deprimente, seu furor pela matéria só podiam levar àquilo. Todas e todas aquelas ações vazias podiam sim lhe trazer um conforto material imediato, mas, à longo prazo, o caos só pode gerar caos. Lembrou-se dos champanhes, das prostitutas, dos diamentes em pescoços alheios, das vontades compradas, dos carros com cheiros, dos shoppings fechados somente para brancos. Lembrou-se, lembrou-se, calou-se na escuridão de seus pensamentos e então pôde entender que ele, sem mais nem menos, fora um tolo. Fora otário, fora apenas um pedaço de ignorância, que mal poderia entender que à curto prazo, tudo parece maravilhoso, mas que à longo prazo, aquela semente putrida que habitava seu coração vazio só poderia tê-lo levado ali. E o levou!
Meridiano
Donato viajou no tempo no corpo de um menino chamado Antônio. Ele ajoelhou-se,
abaixou a cabeça e considerou-se um verme abominável. Pegou uma faca e meteu a
faca no pescoço e por fim, pôde sentir o desespero dos suicidas. As mesmas suicidas
que ele instigara quando quis promover a impunidade do estupro. Quando
terminou, acordou e o anjo lhe disse que ele tinha apenas sonhado em uma
simulação para preparar-se para uma vida nova. Então, ele respirou fundo e
embarcou para a Terra. Nasceu, viu a Terra destruída e seu novo trabalho não
seria apenas observar como a corrupção causa mal. Agora Aroé estava pronto!
Começou coletando o lixo, começou reconstruindo as nascentes e juntou-se a
todos os outros destruidores de planetas em um grande mutirão ecológico, para
reconstruir o que um dia haviam destruído com suas línguas discursivas de
político, com seus microscópios corruptos de cientistas comprados, com sua
preguiça de cidadãos acomodados e com suas mãos corporativas cheias de dinheiro
rodado.
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