Os Veganos que Comem Carne e os Paradoxos da Sociedade do Espetáculo
A mídia está fazendo muito mais do que divulgar o veganismo. Fonte |
O veganismo está crescendo cada vez mais e isso
começa a preocupar as empresas vinculadas à exploração animal. Propagandas e
reportagens especiais são compradas, garotos propaganda são contratados, mas
além da manipulação contrária há também um aumento considerável de pessoas que,
ao ver o veganismo na mídia de massa, o adotam, sem entender muito bem o que
significa de fato ser vegano.
E é no meio desta confusão que eu conheci os
pegans. Os pegans, segundo a reportagem que estava lendo, são a mais nova moda
do mundo saudável, unindo o melhor da dieta paleo com a “dieta” vegan. Quem é
adepto da dieta paleo acredita que devemos voltar a ser “homens das cavernas”.
Segundo eles, temos que caçar nossos animais, voltando ao passado, e até comer
mais comida crua. De fato, o paleo é um movimento do “slow food” e tem como
principal objetivo criticar o excesso de consumo de industrializados e comida
rápida, o excedente de farináceos, glúten, açúcar e sal. Assim, nada de
matadouros, nada de alimentos programados e robóticos, voltando, então ao nosso
“estado primitivo” em que caçávamos enquanto caçadores-coletores, alcançando
uma vida mais saudável e com menos doenças.
As dietas não têm qualquer preocupação com o bem-estar animal. Fonte |
Os pegans, porém, não acreditam que os paleos
sejam totalmente saudáveis, pois já há muitos estudos demonstrando que o
consumo de leite e ovos não é muito indicado para o ser humano e pode levar a
doenças futuras. Assim, eles unem o consumo de carnes, com a retirada dos
derivados (mas não o mel, claro), unindo, segundo a revista, o melhor do
veganismo com o paleo.
Quando eu li esta reportagem sobre os tais
pegans, eu logo pensei: o que afinal, isto tem a ver com veganismo? E então
comecei a lembrar da felicidade de muitos veganos quando Beyoncé se decretou
vegan com casaco de pele. E de novo a pergunta: o que a Beyoncé tem a ver com
veganismo? Ou Bill Clinton ou o Al Gore?
Veganismo: mais do que uma dieta. Fonte |
Bem, nem os pegans e nem os artistas do novo
milênio têm relação alguma com o que é de fato veganismo e os próprios veganos,
muitas vezes, confusos sobre o que de fato é veganismo, aderem a esta percepção
errônea do movimento, comemorando, quando, na realidade, isto é mais um
problema do que uma solução.
Mas o que é veganismo? E por que chamar Beyoncé
de vegana ou pegans de “veganos comedores de carne” é um problema sério para o
movimento?
Em primeiro lugar, veganismo é um movimento
político e não uma dieta. Dieta é uma combinação de alimentos que tem como
objetivo emagrecer ou engordar ou levar a qualquer outro objetivo individual.
Assim, paleo pode ser considerado como uma dieta e vegetarianismo estrito
também. Nesta dietas, procura-se apenas alcançar um objetivo pessoal, retirando
leite, ovos ou adicionando carne de caça, como nos paleos. Os pegans, do mesmo
modo, não são veganos que comem carne, mas pseudo vegetarianos estritos que se
alimentam de animais, sendo seu objetivo puramente ligado à saúde ou, em menor
proporção, ao movimento “slow food”.
Já Beyoncé, Bill Clinton e tantos “veganos” são
apenas vegetarianos estritos e eles reiteram bem que estão fazendo uma dieta,
estando mais preocupados com sua saúde, beleza e afins do que com os animais.
Aliás, eles, possivelmente, nem ao menos concebem a relação entre o boicote de
alimentos derivados de animais e outras formas de exploração, como o uso de
animais para pele, cavalos, circos e afins.
A mídia e o novo veganismo. Na foto: "A dieta vegana de Beyoncé é boa para a pele?". Fonte |
No veganismo, ao contrário do vegetarianismo
estrito, boicota-se tudo que contenha exploração animal. Não se vai a
zoológicos, não se usa peles de animais, não se compactua com circos, rodeios,
rinhas, aquários, camelos no Saara e outros. Mas além do boicote, o veganismo
vai muito além, pois o objetivo do veganismo é pôr fim à exploração dos animais
sob qualquer forma e nisso se inclui o uso de secreções, pêlos do animal e
outros que não necessariamente levem à morte do animal ou ao seu sofrimento
evidente, como em criações orgânicas ou da vizinha da tia.
A ideia é que, em qualquer situação, o animal
tenha direito ao seu próprio corpo e portanto, não cabe ao humano tirar
qualquer pedaço deste corpo, mesmo que se faça carinho no animal ou que ele
tenha o nome de Juju.
Na mídia, entretanto, veganismo é tratado como
dieta e isso tem um porquê, afinal, resumir o veganismo a apenas um estilo de
vida, assim como clubbers, roqueiros e hippies, é uma forma também de
enfraquecer uma luta muito maior: o fim da exploração animal.
E por que a exploração animal é tão importante
para nossa sociedade? Porque ela está inserida em todos os setores da economia.
Assim, você já parou para pensar que quase tudo em nossa sociedade leva
derivados animais, de pneus de bicicleta, sacolinhas plásticas, agrotóxicos,
cosméticos e produtos de limpeza a inúmeros aditivos alimentares?
A exploração animal está ligada a outras formas de exploração. Fonte |
A realidade é que apagar a face política do
veganismo auxilia o sistema a lidar com o seu crescimento de uma maneira
controlada, até que, no futuro, ele somente se resuma a uma dieta de
intelectuais amantes do Oriente. Não foi assim com o significado real da
palavra comunismo e que hoje é conhecido como Stalinismo ou Trotskismo e outras
formas de regimes totalitários? Não foi assim com o real significado do termo
anarquismo, que hoje tem relação com bagunça e black blocks fanáticos e até em
certo sentido amantes da violência gratuita? E não foi assim com a não
violência de Gandhi e Tolstoi, que se transformou em um pacifismo surdo para os
problemas da sociedade, mais preocupado em ficar em cima do muro do que com a
ação direta?
Bem, é isso que se quer fazer com o veganismo,
afinal, veganismo vai muito além de uma escolha pessoal, pois o fim da
exploração animal leva a uma reestruturação completa de nossa sociedade,
incluindo, inclusive, o fim de outras formas de exploração, ligadas à
exploração animal, como exploração de mulheres, negros, pobres, índios,
homossexuais, crianças, homens de terceiro mundo, entre outros, já que a fonte
da exploração animal é muito mais complexa e tem sua origem na aplicação da violência
contra seres “enfraquecidos” pela sociedade, tendo em vista a geração de poder
através de sua exploração.
Veganismo vai muito além de uma mera dieta. Na foto: "carne é assassinato e leite é miséria". Fonte |
Assim, antes de cairmos no mito de que ser
vegano é apenas boicotar leite, ovos, carnes e mel, ou mesmo outras formas de
produtos, e viver sua vida saindo por aí nos restaurantes da vida com seus
amigos, lembre-se que esta é somente a ponta do iceberg. É importante que os
veganos entendam o que é veganismo e que se auto-entitulem veganos quando
saibam realmente o que isso quer dizer, pois se isso não acontece, gera-se uma
confusão na mente de quem é um novo vegano ou de quem não é vegano,
enfraquecendo o poder do movimento para dar fim à exploração animal.
Deste modo, veganismo é um movimento político
que tem como fim a extinção da exploração animal, incluindo o animal humano. Todo o resto é
apenas fruto da sociedade do espetáculo, que mais se preocupa com a aparência
do que com a real causa dos problemas de nossa sociedade.
Paz!
Autora: Camila Gomes Victorino
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