Sistemas Agroflorestais e Veganismo: a Solução Para o Fim do Desmatamento?
Por: Camila Gomes Victorino
Pecuária e desmatamento: uma relação intrínseca. Fonte: AxelGrael |
Segundo o Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (INPA), 80% do desmatamento da floresta se deve à
pecuária extensiva1. Um estudo independente realizado por Rivero et al. (2009)2 analisou outras possíveis causas para o desmatamento da Amazônia, entre elas a
cultura de soja, milho e arroz. De fato, confirmando os dados do INPA, a
pecuária extensiva bovina é a principal causa do desmatamento deste bioma. Em
segundo lugar, aparece o cultivo de soja que, ao contrário do que se pensa, não
é comercializada para a produção de hambúrgueres vegetarianos, mas é exportada
para Europa e Estados Unidos, como matéria-prima de ração de pecuária
intensiva.
No caso do Cerrado, o problema do
desmatamento é ainda maior e isso porque o Cerrado é ainda um desconhecido e
poucas pessoas têm consciência de que ele está desaparecendo a uma velocidade
ainda maior do que a Amazônia (Fernandes & Pessoa, 2011)3. Neste caso, o
desmatamento do Cerrado tem também como principal causa a agropecuária, com o
cultivo da monocultura de soja, algodão, girassol e milho e a pecuária
extensiva.
A Amazônia tem como principal fonte de desmatamento, a pecuária. Nós também somos responsáveis. Fonte: G1 |
Ou seja, o grande problema da
Amazônia e do Cerrado atual não é a madeira, como a mídia comumente circula,
mas a pecuária. De fato, a madeira é ainda um problema, mas a fonte principal
do desmatamento é outra. Assim, devemos parar para pensar sobre a nossa
responsabilidade quanto a isto, pois quem é o consumidor desta carne que está
sendo produzida? Nós!
Claramente que grande parte da
carne do Cerrado é exportada para os países desenvolvidos, assim como os
produtos da monocultura, mas nós também contribuímos ao criar uma demanda para
o produto, assim fica até evidente de que se alimentar de produtos de origem
animal, já não é apenas um problema ético, mas antes de tudo um problema
ambiental que também afeta a própria espécie humana, afinal, não somos tão
poderosos a ponto de sobrevivermos ao deserto que criaremos.
Veganismo: por que não? Fonte: Svbrio |
Até aí, o veganismo então
torna-se uma necessidade, mas a mente é cheia de confusões e todos nós
arranjamos desculpas quando se trata de parar de comer alimentos derivados.
Recentemente eu presenciei uma discussão em torno do problema da pecuária para
com o desmatamento. Muitas pessoas estão bastante preocupadas com os rumos que
o desmatamento de grandes biomas está levando, porém quando o tema carne entra
em cena, as pessoas mais preocupadas tendem a se fechar e a inventar desculpas
muito criativas.
Nesta discussão, tive a
oportunidade de ler argumentos de ordem científica contra o consumo da carne,
mas não é que mesmo assim contra-argumentos apareciam aos montes! O principal
deles se refere ao fato de que a agricultura também precisaria destruir grandes
proporções de florestas para alimentar a população humana, agora vegana.
Mas também teremos que desmatar para plantar. Verdade, mas neste caso há solução! Fonte: AmazoniaNewsCerrado |
Este é um argumento muito
pertinente e não tem nada de tolo, afinal, mesmo que nos tornemos veganos, nós
ainda teremos que nos alimentar de plantas e plantas precisam de terra para
crescer.
O problema deste argumento,
entretanto, é que ele se centra na ideia de que a humanidade continuará a
incentivar modelos monoculturais de agricultura, baseados principalmente no uso
de aditivos químicos provindos do petróleo, alimentos transgênicos e
agrotóxicos. Se isso acontecer, tiro o meu chapéu, afinal, mesmo que todos nos
tornemos veganos um dia, o desmatamento, a destruição do solo e dos lençóis
freáticos por contaminação ainda assim será um grande problema e inclusive para
os animais que foram mortos com seus habitats.
Agora está tudo bem e as pessoas deixam para amanhã, mas de um dia para o outro, tudo pode virar. Fonte: SindicatoSeth |
Neste caso, então, o veganismo
que somente se centra no fim da pecuária não conseguirá resolver o problema
ambiental, o que nos leva então à conclusão de que a luta pelos direitos dos
animais tem que ir além da luta pelo fim da pecuária, o que nos leva então à
conclusão de que este movimento está diretamente atrelado ao desenvolvimento de
alternativas para a monocultura latifundiária.
De fato estas soluções já existem,
pois o sistema monocultural capitalizado por grandes corporações não é o único
existente e nem é o mais eficiente. Na realidade, é uma falácia afirmar que
comemos bem por conta deste modelo explorador e que o seu fim ocasionaria na
fome mundial.
A fome é um problema político e
não de falta de comida e é fato que a agricultura familiar alimenta mais o
mundo do que o agronegócio (leia o incrível livro de Rachel Carlson: Aprimavera silenciosa). É nesta agricultura familiar que é possível desenvolver
sistemas mais equilibrados para com o meio-ambiente entre eles a agricultura
orgânica. Para além dele, existem os sistemas agroflorestais, os quais produzem
alimentos no meio de florestas, o que diminui em muito a necessidade de
desmatamento de uma área para fins de produção de alimentos.
Parece uma plantação para você? Sim, é uma plantação agroflorestal. Fonte: Coocaram |
Sistemas agroflorestais e veganismo: uma relação intrínseca
Não há como apontar o veganismo
como solução para o problema ambiental se ele também não está atrelado a luta
pelo direito à terra (reforma agrária), direito às sementes (movimento de
sementes crioulas e movimento anti-transgênico) e o movimento pela agricultura
familiar e orgânica.
De fato, só poderemos viver em um
mundo sem impactos, se organizarmos nossa agricultura dentro da floresta.
Aliás, de alguma forma isto também beneficia os próprios animais, pois não
adianta lutar pelos direitos dos animais e depois deixá-los a esmo, sem que
possam usufruir de seu habitat natural, o qual foi destruído por nós.
Os sistemas agroflorestais são uma solução perfeita para o desmatamento causado pela agricultura e também para manutenção de habitats para muitos animais. Fonte: Agrofloresta |
Mas o que é sistema agroflorestal?
A agrossilvicultura ou sistema
agroflorestal é a agricultura que combina cultivo de plantas lenhosas como
árvores e arbustos, com plantas herbáceas (culturas agrícolas típicas e
pastagens)4. No caso, o objetivo destes sistemas é otimizar o uso da terra com o
cultivo de alimentos e de florestas, aumentando a biodiversidade do sistema
agricultural e a qualidade do solo. Nestes sistemas também não é necessário o
uso de muita quantidade de pesticidas (mesmo que orgânicos), pois a própria
biodiversidade do local controla a população de “pragas”. Por fim, este sistema
é mais durável e aumenta a qualidade de vida do agricultor e da comunidade do
entorno.
No caso, nestes sistemas não
existe a recomposição completa do bioma degradado, pois cultiva-se espécies de
interesse econômico, porém consegue-se reconstituir grande parte do meio, o que
aumenta a biodiversidade de fauna e flora do local.
A Terra não é nossa não é de ninguém. Fonte: Powerofsun |
Para além dos interesses humanos
A Terra não é nossa, mas é uma
casa coletiva, que não só escolheu nos abrigar, como também a outras espécies.
Neste caso, temos que começar a entender que alguns locais devem ser deixados
inexplorados pelo ser humano, já que mesmo os sistemas agroflorestais modificam
este meio. Não acredito que precisamos de toda a terra do planeta para
sobrevivermos, afinal, muito do alimento produzido pelo sistema atual (e que
não é já muito eficiente) vai para o lixo, antes de chegarão consumidor. Fico
imaginando então, o que acontecerá quando os interesses do coletivo estiverem
acima da sede de lucro de algumas poucas famílias. Haverá alimento para todos e
também floresta para todos.
Paz!
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Referências
1 - 80% do desmatamento da Amazônia se deve a pecuária. Instituto Humanitas Unisinos
2 - Riveiro, S.; Almeida, O.; Ávila, S.; Oliveira, W. Pecuária e desmatamento, uma análise das causas diretas do desmatamento na Amazônia. Nova Economia, v.19, 2009. Disponível em: Scielo
3 - Fernandes, P. A.; Pessôa, V. L. S. O cerrado e suas atividades impactantes: uma leitura sobre o garimpo, a mineração, e a agricultura mecanizada. Disponível em: Observatorium
4 - Engel, V. L. Sistemas agroflorestais, conceitos e aplicações. Disponível em: Embrapa
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