Quando Darwin Virou Mulher - seria a evolução igual ao que é hoje?
Por: Camila Gomes Victorino
Charlize Darwin não era uma mulher comum. Fonte: Wikipedia |
Charlize Darwin não era uma mulher como outra qualquer. Ao
invés de se interessar pela política ou pelo direito, ela interessava-se por
algo bastante peculiar: a academia de ciências. Feito medicina, não se tornou
médica praticante, mas assumiu seu interesse pelos processos naturais e leis da
natureza. Sua viagem no navio Beagle, acompanhada da capitã Roberta FitzRoy
mudou todo o curso da história da biologia e também nos explicou algumas
características natas do comportamento humano, inclusive o sexual.
Em seu livro: “A Origem da Mulher e a Seleção Sexual”*,
Charlize escreveu:
“A distinção principal
nos poderes mentais dos dois sexos reside no fato de que a mulher chega antes
que o homem em toda ação que empreenda, requeira ela um pensamento profundo ou
então razão, imaginação, ou simplesmente o uso das mãos e dos sentidos. Se
houvesse dois grupos de mulheres e homens que mais sobressaíssem na poesia, na
pintura, na escultura, na música (trata-se da composição ou da execução), na
história, nas ciências e na filosofia, não poderia haver termos de comparação.
Baseados na lei do desvio da média, tão bem ilustrada por Richardelle Galton,
em seu livro Hereditary Genious, podemos também concluir que, se em muitas
disciplinas as mulheres são decididamente superiores aos homens, o poder mental
médio da mulher é superior àquele dos últimos”.
Em uma realidade paralela, onde a sociedade é dominada por mulheres, Charlize Darwin desenvolveu a teoria da seleção natural. *Este é o retrato da estudiosa Emilie du Chatelet. Fonte: Wikipedia |
Nós sabemos que não foi bem assim que a história aconteceu e
que Charlize era antes conhecida como Charles e nasceu em uma sociedade
assumidamente machista. O interessante, todavia, não é o fato de que Darwin
tenha nascido em uma sociedade que menosprezava e escravizava a mulher
sexualmente, pois esta foi a mesma sociedade de muitos outros cientistas,
filósofos, artistas, dentre outros. O que nos interessa é como foi possível que
os tão mais inteligentes homens cientistas e seguidas gerações de estudantes,
não conseguissem perceber que a suposta teoria da seleção sexual, que tão
grandemente influenciou a criação da sociobiologia, não fosse fruto de fatos científicos puros e material genético diferenciado, pois se antes se houve provas, a interpretação destes fatos foi feita por uma mente masculina criada em uma sociedade machista.
Será que ainda consideraríamos a fêmea dócil e o macho competitivo se a sociedade tivesse sido outra? Fonte: Universitário |
Ainda hoje nós vemos o ranço desta teoria em muitas bocas “racionais”.
São argumentos e argumentos usados para defender e manter o status quo de opressão da mulher. São
textos e livros gigantescos, que usam centenas de estudos para mostrar que o
estupro é senão natural, fruto da seleção sexual que selecionou machos ávidos
para a cópula, a fim de disseminar a maior quantidade possível de genes, na
maior quantidade possível de úteros.
Charlize era na verdade Charles e portanto a violência contra mulher foi considerada como natural. Fonte: Terapia da Lógica |
Assim, nós vemos a sociobiologia considerar que a monogamia
é característica natural e genética da mulher, pois ela precisaria manter um
único macho para a ajudar com a prole. Ao mesmo tempo, a promiscuidade é
natural do homem, pois é assim que ele consegue dispersar seus genes. Mulheres
são naturalmente passivas, pois se deve "montá-las" como toda fêmea; homens são
naturalmente agressivos e competitivos, pois devem lutar com outros machos para
copular a fêmea.
No final do século XIX, a teoria da seleção sexual era tão
influente que durante décadas um grupo de ornitólogos procurou pelos machos
alfa em uma população em cativeiro de galgos. Sem sucesso, a constatação veio
mais tarde, em uma sociedade menos misógina: eram as fêmeas que lutavam
bravamente pelos machos.
No universo paralelo, um homem correto não falaria abertamente de sexo. Fonte: htforum |
A questão que se coloca é até que ponto a sociedade pode
influenciar a interpretação de observações naturais e como estas
interpretações, ao serem feitas por cientistas, tornam-se verdades absolutas,
as quais, depois de algum tempo, são consideradas intransponíveis.
Se Charles tivesse nascido Charlize, ela não teria
revolucionado a ciência, mas apenas se casado, como toda mulher de sua época.
Todavia, se Charles tivesse nascido Charlize em uma sociedade femista* - a qual
considerasse o homem como inferior e dominado - estaríamos agora afirmando a
naturalidade da passividade, doçura e humildade do homem e possivelmente
provando, pela teoria da evolução sexual, a naturalidade da violência contra o
sexo masculino na natureza. Além disso, não veríamos o ato de “ser montada” ou
“ser comida” como algo ruim. Antes, seria ruim “comer” e ter um pênis.
Possivelmente, as mulheres fariam piadas normais sobre como se masturbam, sobre
seus fluidos vaginais e sua menstruação, enquanto seria digno de vergonha e repulsa
falar sobre esperma e sobre masturbação masculina. Por fim, quantos mais homens
não sofreriam do fenômeno muito comum da impotência sexual e seriam
considerados menos fogosos e frígidos por natureza? Afinal, toda uma sociedade
que educa que o pênis é sujo, que deve ser escondido, que o esperma é nojento e que todo o sexo masculino é impuro, com certeza criaria milhões de homens com
problemas psicológicos a respeito do sexo.
O que te fizeram acreditar é apenas uma interpretação dos fatos, bastante influenciada pela educação que o cientista teve. Fonte: BloqueioNerd |
O mais importante desta reflexão é que não existe verdade e
que nada pode ser considerado rígido – ou pela genética ou até pela religião –
no ser humano. Recentemente, o olhar menos enviesado sobre os papeis de gênero
do cientista moderno (e principalmente da nova geração de mulheres cientistas)
começou a perceber vários comportamentos interessantes em sociedades tribais. Em
algumas tribos, mulheres saem aos bandos para procurar um homem que queira
fazer sexo com elas, enquanto os homens se negam a fazê-lo – desconstruindo o fato de que mulheres não sentem tanto
desejo sexual como homens; em outras, mulheres governam e organizam o trabalho
masculino, sendo que os homens acreditam que o poder de raciocínio e habilidades
artísticas e manuais seja superior na mulher.
O que é ser passivo e ativo na natureza? Nossas ideologias modificam o modo como interpretamos o comportamento dos animais. Fonte: Algolminima |
Eu sempre desconfiei e discordei de argumentos estúpidos
sobre a natureza dócil da mulher ou até sobre o fato de que isso é bastante
corroborado por não existirem tantos gênios mulheres do que homens. Ser passiva
é apenas atributo de escolha que algumas mulheres fazem, assim como ser
agressivo é uma escolha que o homem faz. Dizer que isso é rígido e “natural”´é
apenas uma desculpa de quem quer continuar a oprimir ou ser oprimido e, aliás,
é um bom argumento para manter o núcleo familiar típico que é um dos cernes da
sociedade de dominação hierárquica (seja capitalista ou feudal).
Eu nunca pude provar claramente meus argumentos, afinal
pontos de vista filosóficos ainda são fracos, perante uma prova da existência
de alguma sociedade governada por mulheres. Recentemente, entretanto, encontrei
duas provas que irão refutar qualquer argumento barato de naturalidade do
estupro e de sensibilidade irracional e compartilho com vocês.
Em muitas sociedades, a relação entre os sexos é completamente diferente da nossa. Fonte: Nerds |
No primeiro vídeo, mostra-se uma sociedade indígena
brasileira e como as índias se comportam em relação ao sexo. No segundo,
mostra-se uma sociedade matriarcal africana, em que as mulheres governam e
assumem o papel de liderança.
Estes dois casos são exceção em relação a todas as
sociedades patriarcais e misóginas que existem no mundo, todavia, elas mostram
que os papeis sociais masculinos e femininos são antes impostos no nascimento e
configuram-se em estruturas familiares que mantêm sociedades bélicas e
hierárquicas, nas quais vivemos e tendemos a achar ser as únicas formas de
organização.
A conclusão disto tudo é que nunca devemos nos deixar
convencer de que não podemos mudar o que somos. Nós podemos ser tudo o que
quisermos e não é nem um apresentador de televisão ou um livro de Charles Darwin e um grupo
de cientistas que poderá nos convencer do contrário!
As Hiper Mulheres
Para ver somente o trecho que contém o ritual sexual de índias procurando os índios, visite o site
Monomito. O documentário completo pode ser visto abaixo.
As Hiper Mulheres from LA REVOLUCION ES AHORA! on Vimeo.
As Hiper Mulheres
Para ver somente o trecho que contém o ritual sexual de índias procurando os índios, visite o site
Monomito. O documentário completo pode ser visto abaixo.
As Hiper Mulheres from LA REVOLUCION ES AHORA! on Vimeo.
Matriarcados (legendas exclusivas blog Pensando ao contrário)
Paz!
* O trecho foi tirado do original "A origem do homem e a seleção sexual" e todos os substantivos masculinos foram invertidos para femininos para propósitos do texto.
* O trecho foi tirado do original "A origem do homem e a seleção sexual" e todos os substantivos masculinos foram invertidos para femininos para propósitos do texto.
* Femismo é o termo usado para caracterizar o oposto do
machismo, em que a mulher se sente no direito de oprimir o homem e subjugá-lo.
É diferente de feminismo, em que se busca igualar os direitos de escolha do
homem e da mulher.
Sobre a autora
De títulos, eu sou bióloga, mestra em fisiologia humana e
estudante de doutorado em neurociências. De vida, posso dizer que sou aspirante
à verdade, à igualdade de direitos e liberdade e luto para entender a
sociedade, mas também para melhorá-la para todos os seres vivos.
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