Como a Língua Falada Reitera o Machismo Cotidiano
Na verdade, até dá para acreditar! Fonte: modificado do original de SantaMauraJose |
Aqui no Brasil não se faz muita questão a respeito da
senhorita ou do senhor e os nomes viraram mais pronomes de tratamento para se
referir a idade do que ao estado civil, entretanto em outros países estes
pronomes ainda são muito utilizados e estranhamente, dei-me conta um dia, de que
mulheres têm seu status social mudado pelo casamento, enquanto que o homem é
senhor desde que nasceu. Na Inglaterra o pronome Mrs., para designar mulher
casada, aparece até mesmo na carteira de identidade, mas enquanto ele também
aparece para Mr., homens são Mr. desde sempre, o mesmo ocorrendo na França, não
existindo um termo “senhorito” para definir homem não casado.
A verdade é que pronomes de tratamento parecem ser questões do passado, entretanto
eles falam muito sobre a nossa sociedade, assim como a sua língua falada.
Enquanto que mulheres não são consideradas completas, enquanto não se casam,
diferentemente dos homens, um grupo de 5 meninas e um menino é chamado de
meninos no plural e não meninas, apesar da maioria ser mulher (o contrário não
ocorrendo quando há uma menina e cinco meninos). Tudo isso não é para ser
levado tão a sério, mas é um indício do machismo recalcado de nossa sociedade e
de como ela não evoluiu, já que a própria linguagem ainda não o fez. Asim, analisar a língua é como olhar para um espelho que mostra a verdadeira natureza da sociedade - quando ela é machista, racista e homofóbica.
Somente as mulheres possuem um pronome de tratamento para indicar seu estado civil. Fonte: AutoTraddle |
Para começar, a língua inglesa é um bom exemplo para falarmos de evolução
da linguagem em relação à evolução social, já que mesmo sendo uma língua em que
o gênero não parece ter tanta importância como no português, em situações
específicas em que pronomes devem ser usados, como “her” ou “his”, é comum ver
textos que utilizam os dois para designar que não se subentende que
cientistas, engenheiros e qualquer outra profissão seja realizada por um homem.
Acredito que exemplos sejam bons para mostrar como a língua pode ser machista e
continuar a reforçar preconceitos em nossa sociedade, mesmo que de maneira
sutil, então vamos a alguns exemplos da língua francesa, inglesa e portuguesa,
as quais posso dizer algo por saber falá-las. Caso alguém conheça mais
exemplos de outras línguas, comentários sempre serão bem-vindos!
Francês
Enquanto os pronomes de Miss, Senhorita e Mademoiselle indicam uma mulher não completa, o termo único "Sr." demonstra a insignificância do casamento no destino de um homem. Fonte: NweYorker |
Apesar de existir o termo "docteure" para designar médicas e
doutoras em outras especialidades, ainda é muito comum chamar uma médica por
Madame Le Docteur, cuja tradução ao pé da letra seria Senhora doutor fulana de
tal.
Interessantemente, é muito recente também o uso do termo
professeure em francês, o qual designa uma professora (em francês a vogal “e”
designa feminino). Como a mudança é recente, ainda há muitos que escrevem "professeur" para designar mulheres, já que até pouco tempo atrás não existia
correspondente feminino de professor em francês. Além desta curiosidade, existe o fato de no francês o termo "direitos humanos" ser denotado como direitos do homem ou “Droit de l’homme”. Parece que até aí as mulheres ficaram excluídas, mesmo que simbolicamente.
É imediato: ao pensarmos em um cientista ele é branco e homem, apesar da palavra ser unissex. Fonte: Cantinho do cientista |
Inglês
A língua inglesa é uma das línguas mais democráticas em
relação a gênero. Primeiramente os artigos “o/a” são designados como "the" e "estes/estas" e correspondentes só possuem um termo para designar tanto homens,
quando mulheres ("this, these, those"). É relevante que quando é preciso usar os
pronomes específicos de gênero, mas ainda não se especificou o gênero do
sujeito, autores costumam escrever tanto o pronome feminino como o masculino,
como no exemplo abaixo:
“The
scientist said in this book that his/her idea was important for the devellopment of quantum
physics.” – quando não se sabe se o autor é homem ou mulher.
Tradução: O/A cientista disse neste livro que sua ideia foi importante para o desenvolvimento da física quântica.
Nota: em português é quase que imediata a associação do cientista a um homem em nossas cabeças, principalmente se for relacionado a física, como no exemplo. Isso pode ser solucionado usando "O/A", como no caso, o que não costuma ser feito por tradutores.
O gênio é um homem de talento. A gênia é a mulher que realiza todos os desejos do homem. Fonte: Revista Heroi |
Português
A língua
portuguesa, por sua origem Latina tem muitas similaridades com o francês, o que
infelizmente é um problema, já que não existem pronomes e artigos que denotem
um gênero unissex, como no inglês. O problema disso é que o imaginário popular
sempre costuma apontar homens para funções profissionais imaginadas como "masculinas", quando não é possível saber o gênero do sujeito. Assim, é reiterada
a ideia de que continuam os homens a ser os sujeitos e as mulheres os passivos
da situação.
Veja os exemplos
abaixo:
(Você não sabe quem descobriu e diz): um cientista descobriu
partículas de bóson.
(Você não sabe se o médico é mulher ou homem e diz): o
médico dele receitou antibióticos.
(Você não sabe quem é o professor): A professora de educação
infantil desta escola é boa.
"Eles são amigos" e não "elas são amigas", apesar da clara maioria. Fonte: Ig |
O último exemplo é também peculiar, pois não é só comum
atribuir papéis masculinos a funções do intelecto, como também é comum atribuir
funções de limpeza e cuidado infantil a mulheres. Alguns exemplos são:
empregada (não há termo sinônimo para empregado), babá (existem babás homens,
mas é estranho a sonoridade de “um babá”, por exemplo).
Por fim, existem termos em que apenas o substantivo
masculino existe para denotar uma profissão,como por exemplo: piloto, gênio (no
sentido de inteligência), presidente (há algumas tentativas no Brasil para
criar um termo presidenta), ferreiro, carpinteiro etc.
Outros exemplos que não são exatamente relativos aos substantivos
se referem aos plurais, que como já havíamos dito, tornam-se masculinos quando
um homem se apresenta no grupo. Este é um exemplo extremamente curioso, pois
deixa clara a importância maior que o sexo masculino tem em relação ao
feminino.
Temos que parar de imaginar a humanidade como sinônima do sexo masculino. Fonte: LucianoSiqueira |
Conclusões
Este post está com uma cara de artigo técnico cansativo, mas a ideia aqui foi
mais abrir os olhos das leitoras e leitores para o problema de gênero da língua e como ele
pode ser melhorado com o tempo. O importante é sempre fazer a reflexão sobre os
papeis impostos e sobre como podemos evitar jargões para não ensinarmos as
crianças a desenvolver esteriótipos de gênero. É algo até inconsciente imaginar
que um cientista seja homem e branco, enquanto que um lixeiro seja negro e
homem ou uma empregada negra e mulher. Aqui, nós vemos como os esteriótipos da
linguagem nos levam a um problema que vai além do gênero, mas aos esteriótipos
raciais também. Crianças não nascem com este tipo de preconceito, mas aprendem
facilmente a considerar que apenas homens são matemáticos, físicos e programadores
e mulheres são sempre faxineiras, babás e enfermeiras. Por mais simples que
pareça, este imaginário popular desestimula que crianças escolham determinadas
profissões, o que faz, inclusive, com que o interesse em exatas seja tão baixo
em mulheres. Claro que o problema não seria resolvido apenas pela atenção ao
problema, mas a uma reforma na língua como um todo, além de outras medidas para
maior inclusão de mulheres em áreas exatas. Além disso, é preciso entender que
homens também devem ter o direito de poder cuidar da casa e dos filhos, pois
muitas vezes a pressão social os impede de realizar funções que seriam muito
prazerosas e até beneficiariam a igualdade de gênero como um todo.
É algo simples, mas que pode mudar o modo como as crianças meninas e meninos vêem a si mesmas. Na foto: "Comece uma revolução com sua língua". Fonte: CtrlPels |
No fim, não faz sentido nenhum mudar o pronome de tratamento
para denotar alguém apenas porque a pessoa se casou e faz menos sentido ainda
não mudar o pronome de tratamento do homem porque ele nasce pronto e não
precisa do casamento para ser respeitado. Pense bem: quantas mulheres, mesmo
tendo carreiras bem-sucedidas, ainda não se sentem completas por não terem
filhos ou não serem casadas? Estas são questões que provém do machismo cultural
e nada como o espelho de nossa língua portuguesa para mostrar como ainda
reiteramos o casamento e os filhos para a mulher e para o homem todo o resto do universo.
Nota: foi aprovado em 2012 um projeto de lei que retira de todos os documentos oficiais o termo "Mademoiselle". Espera-se que com isso, mulheres sejam equiparadas a homens, sem que o casamento as possa definir. Esta é apenas uma medida simbólica, mas que demonstra o poder da línguagem na estímulação do preconceito.
Paz espiritual!
Autora: Camila Arvoredo
Autora: Camila Arvoredo
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