(CONTO) A mensagem da Dona onça – o dia em que ela acordou a alma humana
Triste, porém não vencida! |
Com um tiro,
a onça morreu.
- Venha,
venha aqui, Dona onça – disse um anjo em formato de onça com as cores do
arco-íris.
- Ah,
finalmente estou livre! – a alma da onça falou, olhando para seu corpinho - Eu
até pensei que eles poderiam me matar, mas, o que eu iria perder? Tentei a
liberdade e a consegui de um jeito ou de outro, não é? Estes humanos pensam que
são senhores da vida, mas cá estou eu, livre! – disse a onça olhando para a luz
ultra-dimensional que vinha logo à sua frente, mostrando pedaços do céu do
espírito da floresta.
- Bem, isto
não é o ideal! – disse o anjo chateado - Eu estava realmente torcendo para que
a humanidade acordasse de seu sono profundo! Você sabe, não é? A gente sempre
vive ouvindo os pedidos dos próprios humanos para que a humanidade caia em si,
mas a humanidade é formada por cada homem, cada mulher, cada criança deste
planeta. Ela não é um tipo de corporação, instituição que a gente muda assim,
com um decreto ou um projeto de lei! As pessoas mudam a humanidade quando elas
querem mudar a si mesmas! Então, eu estava esperando que aqueles homens não te
matassem, mas fazer o quê? Te usaram de troféu e depois te descartaram! Quantas
vezes eu já vi este filme! Nem vou te contar, para não te depirrmir – calou-se
o anjo onça, que então deu um tapinha no ombro da alma da onça, enquanto a
direcionava para o céu.
Ela encontrou seu recanto de água, como nos velhos tempos. |
No céu, a
onça foi até um recanto que lhe lembrava muito bem um lugar onde sua mãe
costumava tomar água!
- Sabe, minha
mãe morreu! – disse a onça abaixando a cabeça triste e olhando par ao riozinho.
Ela continuou:
- Os homens também mataram ela, mas não foi como
eu. Eles não lhe deram um tiro ou a caçaram. É que eles a mataram de fome.
Destruíram nossa casa, nossa floresta, poluíram nossa água, mataram tudo, lhe
cercaram e depois até me sequestraram, me colocaram em um lugar cheio de
filhotes de humanos. Acho que se chamava zoológico. Eles me prenderam e as crianças
ficavam passando e me olhando. Eu até via nelas uma pontinha de esperança,
talvez uma mudança iminente de pensamento! Elas não pareciam estar gostando muito
daquele show. Claro que sempre tinham aquelas meio malvadas, mas algumas até
choravam e tinham pena de mim. Acho que elas entendiam que eu estava presa e
triste e que, ali, era um mero objeto de entretenimento. – finalizou a onça, triste que não poder ver
sua mãe, que agora estava reencarnada.
- Eu não
culparia as crianças. Elas são pontos de esperança – disse uma voz vinda do
fundo da floresta - É só a ignorância que é passada de geração em geração e elas
vão sendo ensinadas a odiar. É uma cultura do ódio e da supremacia humana.
Então, a onça
viu ao longe um velho amigo de longa data. Estavam há muito tempo separados em
diferentes missões. Ambos tiveram trágicos destinos, mas suas mortes iriam
despertar no coração da boa gente, talvez uma ponta de luz, um pensamento, uma
pequena consciência. A onça reconheceu seu amigo gorila e ela então sorriu e o
abraçou.
Seu amigo gorila veio visitá-la. |
- Amigo,
quanto tempo! – disse a onça contente e continuou – eu sinto muito pelo
acontecido. Eu sei que você só estava tentando proteger o menino.
- Eu sempre
fui ali um boneco de entretenimento – disse o gorila triste e continuou:
- Uma hora ou outra eles iriam me matar. Se não
fosse com tiro, ia ser de tristeza. Você não sabe como eu sentia falta da liberdade
e de viver minha verdadeira natureza! Agora eu estou descansando, mas eu sei
que os gorilas ou a onças ou qualquer outro animal têm todos uma missão
incrível no planeta e se não fossem os homens – e algumas mulheres – eu diria
que a Terra seria um lugar muito melhor.
E então, do
fundo do lago, surgiu um burburinho e de um sopetão, uma voz falou:
- É, mas o
que você esperava deste grande jardim de infância? – disse a voz, vinda do
fundo do rio e continuou:
- A natureza
é professora dos seres humanos e todo humano-criança se rebela contra seus
professores, quando não entendem o que estão fazendo ali! São crianças, oras! –
ele então deu uma risadinha.
A onça e o
gorila sorriram felizes, ao ver seu velho amigo crocodilo. Ele também tivera um
péssimo destino e fora morto em um parque de diversões infantis.
O crocodilo bem-humorado lhes deu as boas-vindas. |
- E então? Quem vai me convidar para jogar
jogo da memória dos bichos? – disse o crocodilo dando um abraço nos dois amigos
animais!
O anjo, então, que só observava tudo, distante
em seus pensamentos, resolveu interromper o velho reencontro e falou:
- Amigos, é
hora de irmos para a assembleia geral dos espíritos da floresta. Estão
convocados também os porcos, vacas, galinhas, raposas, enfim, todos os animais
assassinados e maltratados pelos humanos. Já era a hora de ocorrer uma
intervenção porque está virando uma grande bagunça lá embaixo. Algumas almas
voltaram com a missão de acordar os pequeninos, mas virou uma guerra. Temos que
nos unir o mais breve possível. Ainda haverá mais reencontros e novos amigos
mortos que se juntarão novamente a nós, mas não é hora para tristeza, pois a
esperança é a última que morre e, aliás, este é o nome de um de nossos agentes,
que se esconde na floresta, guardando os animais e árvores ameaçados de
extinção. Vamos, venham comigo!
Subindo em
uma bolha de sabão espaçonave, os espíritos dos animais recém-chegados logo se
encontraram em um imenso conglomerado de animais e árvores. Algumas árvores
cantavam uma espécie de ventania e alguns macacos dançavam em seus galhos.
Espíritos de pedra eram responsáveis pela iluminação do local com suas cores
radiantes e alguns humanos azuis conversavam com golfinhos. A onça assassinada
lembrou-se de quem era e de seu trabalho e missão. Dona onça fora na Terra uma
grande professora dos humanos. Ela tinha a missão de ensinar-lhes sobre a
liberdade. Ela, então se levantou e começou a falar:
A onça discursou para a Assembleia da floresta |
- Amigos, eu
morri! Bem, quem de vocês não morreu, não é mesmo? Sei que todos aqui foram
mortos. Até estas almas humanas foram mortas. Não há mais respeito lá embaixo.
Ninguém mais respeita ninguém. Até as árvores que não fazem mal algum estão
sendo brutalizadas. Até elas! Enfim, não vim aqui para fazer críticas, mas está
na hora de chamar o grande espírito da floresta! O que me dizem?
Um burburinho
começou a espalhar-se pelo salão. A dúvida persistia, mas será? O espírito da
floresta? Não seria um exagero? Estaria a situação tão tensa assim? Demorou um
pouco, houve debate, roda de dança, canto e então, o grande Baobá, um velho e
conhecido músico árvore foi convocado a tocar sua 9º ventania para chamar o
grande espírito do vento e das águas, da terra e do fogo.
Os animais conversavam e discutiam a proposta. |
Cantou,
soprou e todos os animais fecharam seus olhos angelicais esperando pela
presença do grande espírito! As almas animais começaram todas a se juntar e
formar uma grande voz. Um assovio mudo, que começou a descer em forma de vento
e cantarolar silenciosamente nas mentes humanas, um a um, de pouco a pouco. A
onça começava a cantar, a assoviar e a disseminar as memórias da violência. Ninguém
via, ninguém queria ver e eninguém queria lembrar, mas já não era mais possível
esconder aquele conhecimento dos humanos. Se queria ou não queria ver, a voz da
onça, a voz dos bichos e das árvores mortas cantavam mudas e fortes nas mentes
dos homens mesquinhos e as ações vis dos corações de pedra começaram a mostrar
suas consequências, muitas vezes árduas para toda a humanidade dormente. Alguém
acordia com aquele canto? Alguém perceberia a miséria humana no canto da onça?
Ah meus amigos
humanos, se vocês soubessem como é forte a voz da natureza! A onça pode ter
sido morta, o boi pode ter sido abatido, mas suas almas vão assoviar nos
ouvidos da mata por muitas e muitas gerações ainda por vir. O espírito da
floresta não mais se calará! Vai ensinar quem está chegando que aqui na Terra
nenhum ser vivo é coisa ou troféu e que a onça que vive dentro da gente tem que
ser mantida acordada e selvagem e não amordaçada como está. Somos natureza!
Somos fruto de seu poder!
O espírito da floresta começou a assoprar nos ouvidos das crianças. |
Você acha que a voz silenciou?
A voz continua a gemer nos nossos corações todos os dias. São todos eles, os
animais, sussurando e contando contos sobre suas mortes e suas vidas perdidas.
As crianças ouvem e crescem com o espírto da floresta. Nenhuma educação tirana
vai conseguir tirar isto delas. Não mais!
Lá no céu, a onça
bebe água do riacho que um dia bebeu sua mãe. Lá no céu, a onça visita a sua floresta
roubada. Lá no céu, a onça encontra seus amigos, gorilas e crocodilos de lagos
massacrados. Lá no céu, o boi, a vaca, o porco e o cachorro se encontram e são
todos então requisitados para uma nova missão. Vão acordar a alma do homem, que
está há tanto tempo amordaçado. Vão inspirar a alma da mulher, que está há
tanto tempo maltratada. Vão suspirar nos ouvidos das almas nobres, para que elas,
assim que acordarem do sono dos brutos, não mais ignorem que são parte da
natureza e não os senhores dela.
E quem fechou os olhos pôde ouvi-lo. |
Feche os olhos e ouça
a mensagem da onça! Abra os olhos e veja o que você está fazendo com nossos
professores, nossos irmãos, nossos rios, nossas árvores cantoras de ventania. A
voz da onça morta é imbatível! Você pode fechar os olhos, você pode tampar os
ouvidos, mas ela ainda assim vai ressoar no seu coração. Você vai olhar para
todos eles, cachorro, gato, porco e jacaré e não haverá mais diferenciação.
Você vai, entáo, se perguntar: afinal, por que maltrato tanto os meus irmãos e
irmãs?
Seu coração está
fechado! Não para sempre! É hora de acordá-lo das cinzas para o novo
renascimento da Terra.
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