(POESIA) Olhos Errados
Uma poesia errada para falar de olhos errados.
Nasci cega.
Eu via cores, eu via os olhos, mas eu não via a realidade. Eu via os homens e
as mulheres com cores, mas não enxergava o certo e o errado. Sentei-me para
apreciar o som das paineiras. Olhei para um cachorro semi morto em decomposição
na rua, todos olhavam: cegos. Mal-estar. Fechei os olhos. Eu tinha olhos
errados. Sempre me disseram que eu tinha olhos de cor de vento. Olhos de cor de
nada. Olhos sem alicerce de ideologias. Eu só sentia. O coração sempre pulsava
quando eu via uma árvore ser morta. Eu ouvia seus gritos e eu já tinha os
ouvidos errados também. Se as pessoas me diziam que sexo só dentro do
casamento, eu ouvia elas fazendo sexo com prostitutas. Eu só ouvia errado, o
que não deveria ouvir. Eu via homens de bem estuprando suas colegas e saindo
perfumados com cheiro de grito de animais. Olfato errado! Eu andava de ônibus e
tocava sem querer as peles surradas e um homem me passava a mão, na sua
tentativa de diminuir. Tato errado. Meu corpo era errado. Ele não tinha um
pênis, não tinha músculos fortes, não tinha cérebro racionalis. Eu não tinha
razão, não tinha apreciação pela sociedade programada. Nasci errada. Tudo
errado. Eu sou um lamento errado. Eu não quero comer a carne que chora, eu não
quero beber o leite que grita, eu não quero sentir o ovo que frita. Paladar
errado. Eu sou apenas um envoltório que vomita as contradições da sociedade
amarga, apenas por existir. Vejo ao contrário, ouço a contradição e sinto com
emoção. Para além do ordinário, saio de lado, e levanto minha voz muda, para
apenas soar no vento que o certo está afinal profundamente errado.
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