Existe Machismo no Veganismo?
Machismo no veganismo: mascarado e às vezes estimulado. Fonte |
Estes dias
me deparei com um site vegano divulgando um dos grandes nomes do humor machista
do Brasil. Acho que este foi o estopim para começar a escrever sobre algo que
já vinha refletindo há algum tempo: o machismo mascarado que existe dentro do
veganismo e que vem acompanhando tanto homens quanto mulheres.
Na
realidade, não tenho a intenção de criticar site nenhum ou apontar o dedo,
afinal o machismo está arraigado em toda a sociedade e por que não nos
criadores de conteúdo, veganos ou não? O que me espantou é o fato da violência
contra a mulher (psicológica e física) ter se tornado algo tão normal e banal
em nossas vidas, a ponto de pessoas que deveriam ser mais sensibilizadas para
este tópico se permitirem coniventes com este tipo de violência e com seus
criadores ou divulgadores.
É aí então
que vemos a força da influência que a propaganda sexista do dia a dia tem em
nossas vidas, a qual consegue nos fazer desvincular a origem da violência bárbara
contra os animais, da violência de gênero – que nem mesmo é mais vista como
violência, mas algo natural em nossas vidas.
Ora,
violência gera violência. Assim, apesar dos movimentos se dividirem em
movimento negro (fim da violência contra afro-descendentes), movimento feminista
(fim da violência contra o gênero feminino), movimento anti-especista ou vegano
(fim da violência contra espécies não humanas), movimentos anti-classistas (fim
da violência de classe) e assim por diante, todos nós estamos lutando contra um
denominador comum: o fim das hierarquias de poder.
O problema está na hierarquia. Fonte |
Assim, o
problema central a que todos os movimentos separados lutam contra é o “poder
sobre” ou a ideia de que alguém ou um grupo tem poder sobre outrem, devido à
posse de uma característica peculiar (um pênis, cor de pele, dinheiro, mais
idade etc) e mais sério é o fato de que acabar com o “poder sobre” de um grupo
sobre o outro não resolve o problema do próprio grupo, porque a própria ideia
de dominação – que permanece ligada à submissão de outros grupos – irá contaminar,
mais cedo ou mais tarde, o grupo recém-libertado, voltando-se à estaca-zero. Ou
seja, libertar animais sem apoiar a luta de libertação das mulheres do
patriarcado ou outras formas de luta não vai resolver o problema dos animais,
ficando a questão: se a libertação animal deve passar pela libertação de todos
os oprimidos, por que há veganos machistas, que não só o são no dia a dia, mas
que veiculam suas ideias como forma de reforçá-las na mídia?
A banalização do veganismo
Existe um movimento de banalização do veganismo, de modo que este se torne mais uma fatia de mercado. Fonte |
Infelizmente,
nem todo vegano e vegana sabe que veganismo é igual à luta pela libertação
animal. Aliás, na maioria dos países “desenvolvidos”, o veganismo já se tornou
outra coisa, sendo sinônimo para dieta vegetariana estrita, moda, estilo
hipster da nova era ou um setor da população que consome bens ecológicos. No
Brasil, o veganismo está tomando o mesmo rumo. Há sim muitos grupos ativistas,
tentando chamar a atenção para o problema da libertação animal, mas a maioria
dos veganos se centram na ideia de veganismo associado ao sistema de consumo,
isto é, um veganismo consumista, adaptado ao sistema capitalista.
A verdade é
que hoje é muito fácil ver centenas de pessoas em eventos de consumo veganos,
mas destas são pouquíssimas as que se dedicam ao ativismo real do dia a dia,
nem que seja de internet. Isto, claro, não é porque as pessoas não se importam,
pois se fosse assim nem teriam se tornado veganas. A verdade é que a maioria
dos veganos optou pelo veganismo recentemente, não sabendo ao certo o que é o
veganismo, por onde começar e como agir. Aliás, é esta ignorância que leva a
maioria das pessoas a ver o “ser vegano” como alguém que parou de comer
derivados, mas que pode ter histórico de agressão contra mulheres, racismo,
classismo ou mesmo amar viver em um sistema capitalista, que oprime, segundo
ele, só os menos aptos. Não poderia haver maior paradoxo aí!
De fato,
ser vegana ou vegano é lutar pela libertação animal e portanto lutar por toda
forma de libertação, pois agir pela libertação animal passa pela luta contra o “poder
sobre” e pela destruição de toda ideia de poder, seja de classe (capitalismo)
ou de gênero. Claro que se o veganismo está banalizado é preciso ir contra esta
corrente, tendo claro que nós veganos queremos o fim das hierarquias, pois só o
fim dela como um todo pode levar à libertação animal.
Assim, não
é possível que um vegano machista vá conseguir chegar aos seus objetivos. Aliás,
acredito que estas pessoas não sabem exatamente o que estão fazendo no
veganismo, tendo sido tragados pela mídia de massa, que começa a apropriar-se
do termo veganismo (e outros movimetnos sociais) para torná-lo mais palpável e
maleável ao sistema de opressão atual.
Quem se diz vegano e é sexista, racista ou outro, só pode estar muito enganado. Fonte |
Espero que
todos reflitam que não há como trazer homofóbicos, machistas, racistas e afins
para esta luta de emancipação animal e que qualquer um que afirma ser vegano ou
vegana com uma mentalidade de ódio contra outros grupos oprimidos, não é nada
mais do que um tolo que entrou de sopetão em uma valsa, querendo sambar.
A solução é
que as pessoas veganas, que de fato sabem do objetivo do veganismo para com a
libertação animal, tentem, como podem, conscientizar os novos veganos e saber
também que hoje o movimento não luta apenas contra quem oprime os animais, mas
contra grupos que querem apropriar-se do veganismo como forma de negócio.
Algumas pessoas só se interessam pelo veganismo por uma única razão: dinheiro. Fonte |
De fato,
atualmente existem muitas empresas ou criadores de conteúdo que dispersam
receitas e eventos veganos e que nem mesmo são veganos e até postam imagens de
churrasco no dia seguinte. Alguns são até a favor disso, pois isto dispersaria
o veganismo mais facilmente, mas qual veganismo?
No final, a
pergunta mais importante a nos fazermos é “qual veganismo queremos?”. Queremos fazer
o veganismo crescer, às custas de outros grupos oprimidos e, consequentemente
dos próprios animais, ou queremos criar um movimento mais consciente, em que as
pessoas realmente saibam seu papel no movimento e como agir para libertar os
animais? No último caso, temos que saber: machistas, racistas, homofóbicos,
classistas e meritocráticos só regridem esta ideia de libertação, pois não há
como acabar com a escravidão libertando apenas um escravo; ao mesmo tempo, estas
pessoas reforçam o veganismo de mercado, um veganismo que aparentemente nos
afaga a consciência com o queijo de soja do supermercado, mas que não resolve o
problema que quem realmente queremos ajudar: os animais.
Causos machistas no veganismo
Nada melhor do que um causo para se fazer entender. Fonte |
1) Recentemente, um coletivo “anarquista”
e “vegano” do Sul do Brasil sofreu um problema sério com um de seus membros (ou
com todos, talvez). Aconteceu que um fulano resolveu abusar sexualmente de uma
das ativistas e quando ela relatou o caso para o grupo, o agressor não foi
expulso nem sofreu retaliação, pois a grupo (os homens e amigos do agressor)
chegou à conclusão de que o agressor tinha problemas psicológicos e que a
vítima deveria ter mais compaixão. Depois deste fato, uma carta aberta foi
redigida por algumas mulheres do coletivo, não só refletindo este tipo de
machismo mais evidente, neste movimento que se dizia tão libertário, como
também outras formas mais sutis de violência, como silenciar mulheres durante
uma discussão, falar mais alto, quando uma mulher fala até que ela se cale, não
aprovar a ideia de uma mulher, mas aprová-la em seguida quando um colega homem
a disse. Isto não acontece apenas no veganismo. Este é um problema comum de
movimentos sociais que se dizem muito conscientes para com os oprimidos.
2) Um pouco depois de ter me tornado
vegana, comentei um post em um site sobre algo que nem me lembro mais. A
discussão não estava agressiva, mas nunca me esquecerei quando um fulano vegano
me escreveu um comentário desdenhando minhas ideias, simplesmente porque eu era "uma vagina falante" e, neste caso, meu argumento
não deveria ser levado à sério (já que eu não tenho um pênis). O pior foi que o
dono do site não tirou o comentário dele do ar (possivelmente por achar que é
normal assumir que a mulher é só um pedaço de carne!).
3) Mulheres veganas em relacionamentos
com veganos muitas vezes sofrem diversos tipos de silenciamento e preconceito.
Geralmente, o silenciamento se relaciona à sua vida sexual, às roupas que
veste, ao número de amigos homens que têm. As que não estão em relacionamentos,
muitas vezes, são vítimas da opressão pela reputação, em que são consideradas
de menos valor (por veganos e veganas) quando transam no primeiro encontro ou
fazem algo que não é bem aceito pela Sagrada Igreja Apostólica Romana.
Vamos
refletir! Nós queremos o fim de toda forma de opressão e não só de uma! Olhe
para seus pensamentos e ações no dia a dia e permita-se corrigir-se: você é
machista? Você é racista? Classista? Meritocrático? Saia da lógica da opressão, olhando para si
mesmx e corrigindo-se quando você se vê oprimindo. Viu alguém ser oprimido?
Ajude esta pessoa! Não fique caladx, pois quem cala consente.
Labels
VEGANISMO
Post A Comment
9 comentários :