Fruganismo: o Futuro do Veganismo?
Tão estranha é a cegueira da humanidade que só vê morte onde há apenas vida
Apesar de ser tratado erroneamente como uma dieta pela mídia, o veganismo é um movimento político que traz algo único dentro de si mesmo: a luta pela transformação dos animais em seres de direito. Tudo isto é muito novo e não é a toa que os próprios veganos se dividam em diferentes movimentos, acreditando em meios distintos para se chegar à libertação animal. Assim, alguns acreditam que apenas boicotar produtos que não contenham derivados animais já é suficiente; outros, entretanto, acreditam que é preciso boicotar produtos que interfiram, de maneira autoritária, no habitat do animal, como, por exemplo, pelo boicote; há aqueles que querem incluir humanos no veganismo e, por isso, discursam a favor da união do movimento negro, feminista e GLBT junto à causa animal e há outros, por fim, que acreditam que o veganismo é apenas um passo para algo ainda maior: a transformação de todos os seres vivos em seres de direito, incluindo os animais, plantas, fungos e por que não, outras formas de vida?
Lutar também pelo direito das árvores e da vida como um todo. Fonte |
Neste
último sentido, o pós-veganismo ou fruganismo não atuaria somente no sentido de
boicotar aquilo que explora o animal, mas também atuaria no sentido de diminuir
a violência contra outras formas de vida. Ou seja, se antes um vegano diria a
um onívoro que a vida de um animal vale muito para ser destruída e, portanto,
não se deve tirar a sua vida apenas pelo prazer do sabor, outras formas, para
além do veganismo, alegam que a vida de qualquer ser vivo, seja ele uma planta,
um animal ou um fungo, não deve também ser retirada ou mutilada (a não ser que
exista a necessidade de sobrevivência) e, neste caso, qualquer ato de matar uma
planta pelo seu sabor – apenas - quando se pode substituir esta planta morta
por um fruto, já se transformaria em algo antiético, pois a vida da planta teria
sido retirada sem a necessidade da sobrevivência.
Ora, quando
pensamos em evitar a morte desnecessária de outros seres além dos animais, o
fruganismo1 –um veganismo expandido - faria todo o sentido, afinal,
se os próprios veganos assumem a ideia de que nossa sociedade é especista por
considerar a vida de um animal menos importante do que a nossa, também faria
sentido considerar especista o fato de se matar um vegetal sem necessidade alguma.
O problema
deste argumento é que no caso das plantas e fungos existiria a necessidade de comê-los
para sobreviver, pois alguma coisa devemos comer ou morreríamos de fome. Ou
seja, para quê defender a vida de outros organismos fora do reino animal, se
sua morte é necessária para que nos alimentemos ou vivamos? É aí então que a
defesa da vida de outras formas de vida, como prega o fruganismo, não faria
sentido nenhum.
Tão estranha é a cegueira da humanidade que só vê morte onde há apenas vida. Fonte |
Entretanto,
o fruganismo não viria no sentido de defender a abolição da morte de todas as
formas de vida, mas de construir o argumento de que existem formas e formas de
se matar uma planta e de que em alguns casos, não é nem mesmo necessário
matá-las, mesmo quando consideramos a nossa sobrevivência. Veja, por exemplo, o
caso do palmito: para conseguirmos comer palmito, nós precisamos destruir uma árvore
inteira e, do ponto de vista nutricional, há muitos outros vegetais que
substituem o palmito. Assim, dentro do ponto de vista frugano, comer palmito
seria antiético e especista, pois matamos uma árvore inteira pelo prazer da
degustação (desconsiderando seu direito à vida) enquanto poderíamos apenas
comer um fruto, manter a vida da árvore mãe e ainda auxiliá-la ao dispersar
suas sementes em locais mais distantes. Assim, o pós-veganismo ou fruganismo
não viria com a missão de abolir a morte de todos os seres vivos, mas de se
perguntar sobre a existência de formas mais éticas de se comer, considerando
todas as criaturas e não somente os animais.
No
frugivorismo, as frutas são prioridade na alimentação, pois se considera que
elas sejam a forma mais saudável de alimentação para nossa espécie. No
fruganismo, porém, não é somente a saúde que é levada em conta, mas a ética
para com todas as formas de vida e, inclusive, para com o meio-ambiente. No
caso das frutas, por exemplo, como o papel biológico delas é dispersar as
sementes das plantas-mãe, comer frutos não seria apenas uma forma de evitar
matar a planta, como também seria uma forma de auxiliar a planta para dispersar
suas sementes. Assim, os frugívoros, ao se alimentar somente de frutos,
indiretamente, não só libertariam as plantas da exploração humana, como as
ajudariam. Entretanto, ao considerar somente a saúde, os frugívoros, em muitos
casos, comem mel, usam couro e produtos envolvendo exploração animal, assim o
nome frugano é mais adequado para especificar as pessoas que comem frutas por
questões éticas e ambientais, pois o frugano seria um vegano, que não só
considera a vida dos animais, como também a vida de outras formas de vida,
evitando sua morte ou exploração, quando se pode.
Assim, além
de frutos, quando se é preciso comer um vegetal, como uma folha, dá-se
prioridade para não matá-lo por inteiro, como se faz com as verduras, mas
apenas utilizar algumas folhas, mantendo o pé vivo. Em outros casos, abole-se
certos tipos de alimento, como o palmito, o qual não é necessário
fisiologicamente. Assim, o problema aqui é que o frugivorismo é apenas uma
dieta, assim como o é o vegetarianismo estrito. Neste caso, não há preocupação
com a exploração de animais ou das plantas como um todo, o foco é a saúde,
apenas. Portanto, o termo fruganismo (frugívoro+veganismo) é mais adequado,
pois neste caso une-se o conceito de exploração e libertação mais amplo do
veganismo, com a visão de expandir o círculo de seres a que se deve libertar da
exploração, ou seja, toda a natureza.
Na
realidade, os fruganos obtêm suas calorias basicamente das frutas, mas também
comem folhas e castanhas. Há fruganos que consomem folhas, mas isto é sempre
feito de maneira a considerar a vida da planta, ou seja, quando se pode,
come-se a folha, mas deixa-se o pé na terra. Por fim, come-se castanhas,
leguminosas etc e evita-se, ao máximo, a exploração de todas as formas de seres
vivos. Neste caso, a alimentação orgânica é mais adequada, pois a agricultura
orgânica diminui a destruição do meio-ambiente. Evita-se o consumo de
transgênicos, prefere-se o uso de madeiras certificadas, reutiliza-se quando se
pode, composta-se o lixo, ou seja, o frugano faz o máximo que pode para
diminuir o seu impacto ambiental no meio-ambiente, de modo a diminuir a
exploração e a violência contra todas as formas de vida.
Mas em termos ecológicos, o fruganismo é superior
ao veganismo?
Os jardins de floresta ocupariam a Terra. Fonte |
Aparentemente,
um frugano e um vegano saudável teriam o mesmo impacto ambiental, porém a
realidade é outra. Em termos de agricultura, a maior parte da alimentação
vegana baseia-se em cereais e leguminosas, as quais são plantas, em sua
maioria, anuais. Isto quer dizer que, em um ano, elas morrem e devem ser
plantadas novamente, fazendo com que se deva despender energia de trabalho com
a aragem da terra, destruindo a riqueza do solo com o tempo (é por isso que, no
final, faz-se a troca de culturas, para que solos empobrecidos possam se
enriquecer novamente). No caso das frutíferas, porém, há muito menos trabalho
humano envolvido à longo prazo, pois, apesar de termos que ter mais paciência
até a maturação do pomar, o plantio se dá uma só vez, pois frutíferas são
perenes. Além disso, os cuidados com a planta são menores e o adubo usado pode
ser tanto o da composteira, como o do banheiro seco (permacultura), pois o alimento não entra
em contato com a terra. Por fim, após sua maturação, o pomar oferece sombra e
refresca o ambiente. Além disso, frutíferas se adequam perfeitamente a sistemas
de agro floresta, no qual se misturam plantas nativas com plantas frutíferas,
ajudando na preservação da mata nativa e causando bem menos impacto do que a
limpeza da mata para criação de terra agricultural do sistema convencional. Deste
modo, se fôssemos considerar uma sociedade frugana e uma vegana, a frugana
teria menos impacto no solo, no meio-ambiente e despenderia menos energia com
plantio. Por fim, ela gera qualidade de vida.
Não. O
veganismo é um movimento político que luta pela libertação dos animais e,
atualmente, é preciso fortalecer este movimento, pois a maioria da população
nem mesmo compreende o que seria direitos dos animais (os quais claramente
sofrem como nós). Evidentemente, que existirão pessoas que discordarão de mim e
dirão que, se o fruganismo é mais ético, devemos apostar nele neste momento,
mas sinceramente, imagino que a eficácia seria mínima, considerando que a
maioria das pessoas mal compreende o direito de vida de um cachorro, que dirá
de uma planta ou de um sistema, como uma floresta. Ainda acredito que devemos
ir por partes, mas nunca esquecer que lá na frente, o fruganismo nos observa.
Assim, todos nós, em um determinado momento de nossa vida vegana iremos nos
deparar com a questão do direito de vida de outras criaturas (que sintam ou não
dor como entendemos), apesar disso, sabemos que, por ora, é mais urgente
libertar os seres, em que o sofrimento é mais evidente e agonizante, no caso os
animais. Depois de libertá-los, só não vamos esquecer: este é só o começo.
Notas
1Eu resolvi inventar o termo frugano
e fruganismo pela necessidade que tive em exemplificar um movimento futuro que
considerasse a libertação da natureza como um todo e não apenas dos animais.
Infelizmente, o termo frugivorismo não foi ideal, visto que é uma dieta, mais
preocupada com a saúde, do que com a libertação da exploração dos seres vivos.
Reitero que não é minha intenção fortalecer o argumento típico de carnistas
sobre o direito das plantas e que as plantas sentem dor. Neste argumento, os
carnistas afirmam que as plantas têm direitos e portanto devemos comer também
os animais, pois estaríamos sendo especistas. A meu ver, este argumento não faz
sentido algum, visto que precisamos comer algo para sobreviver, mas não
precisamos comer animais para sobreviver. Ora, se temos confirmação de que os
animais sentem dor e não temos confirmação de que plantas sentem dor, é mais lógico
deixar os animais de lado e se alimentar de plantas. Apesar disso, não é porque
escolhemos comer plantas que devemos explorar sua vida sem respeito algum. Foi
por conta disso que criei o termo frugano, pois é preciso também considerar que
nem sempre a morte das plantas acontece por necessidade de alimentação, mas
apenas por diversão, sede de lucro ou pelo próprio paladar. Assim, é importante
que, em um futuro breve (assim espero), os veganos / fruganos possam começar a
questionar também a exploração, sem necessidade, da natureza como um todo.
Terra: o mundo das árvores. Fonte |
Como eu faço
- Atualmente, eu foco minhas ações e modo de vida no fruganismo. Faço tudo aos
poucos, mas acredito que seja a forma mais ética de se viver e direciono minha existência para este ideal. Apesar disso, eu considero que, do ponto de vista
de atuação política, a divulgação dos ideais veganos seja mais importante por
hora. Vivemos uma situação urgente em que criaturas em agonia evidente precisam
de nosso apoio e a maioria das pessoas mal compreende isso, porém acredito que
ficar aí não basta. Somos parte de um todo e ignorar outras formas de vida é
apenas fechar os olhos e se manter em um especismo um pouco mais expandido, mas
nem por menos especista.
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