Carolina de Jesus – A Literatura da Mulher Negra e Pobre
Por: Camila Gomes Victorino
Por que escrevi no título do
texto que uma escritora de nosso país foi negra, pobre e favelada? Isso
importa? Bem, não deveria, mas foi possivelmente por ser mulher, negra, pobre e
favelada que Carolina de Jesus, umas das escritoras brasileiras da década de
sessenta, mais reconhecidas no exterior na época, foi totalmente ignorada em
nosso país. Quem já ouviu falar dela? E quem estuda um pouco sobre ela?
A principal obra de Carolina de Jesus chama-se "Quarto de despejo"e apesar de genial, foi apagado de nosso conhecimento.. Fonte: Livrespensadores |
Bem, eu
não a conhecia até alguns dias atrás e fiquei chocada ao descobrir que sua obra
não é só tão pouco conhecida dos brasileiros, mas praticamente ignorada neste
país. Foi depois de ler sobre ela, sobre o fato dela ter usado seu simples
vocabulário de semi-analfabeta para escrever diversas obras sobre o cotidiano
da favela dos anos cinquenta e sessenta, é que mais uma vez tive a percepção de
que a história nos é contada de uma maneira muitíssimo equivocada e totalmente
manipulada por aqueles que a escrevem: homens brancos de classe média a alta e
conservadores.
Carolina de Jesus contava o cotidiano das favelas com o olhar do oprimido. Um olhar que deveria ser apagado da visão elitista da história convencional. |
E são eles, que por interesse em manter sua posição confortável
nos manipulam a aprender uma história de homens, europeus, brancos
conquistadores; uma história bélica, em que não há cooperação, em que a
natureza deve ser domada e em que a mulher é fraca e submissa; uma história que
mostra os países brancos desenvolvidos como superiores intelectualmente e que
mostra que a natureza humana de conquista, guerra e violência é nossa única
opção e que, por isso, qualquer pessoa que decida ser cooperativa, ter
compaixão, ser amável e ser contra qualquer tipo de violência é uma lunática.
A história dos castelos foi escrita por homens com castelos. |
Eu aprendi na escola a história
européia, como a maioria de vocês. Eu me recordo de conversar com pessoas
europeias e perceber que eu sabia mais sobre a sua história do que eles mesmos;
eu me recordo de perceber que o único fato que aprendi sobre a história da
África foi o processo de captura dos escravos ou suas tribos, deixando uma
ideia bastante imposta no meu inconsciente de que a África sempre foi tribal e subdesenvolvida,
como nos livros de história; eu também me recordo de perceber que não havia
mulheres protagonistas na história e me ensinaram que elas estavam amamentando
e casando na época e preocupadas demais com o vestido de noiva do que em fazer
a revolução e eu me recordo de perceber de que no mundo inteiro meu gênero não
existia, mas constatando uma condição ainda mais deprimente para a mulher negra,
que é ainda mais apagada, a ponto de o próprio movimento feminista esqueça
dela, muitas vezes.
Boa parte da história foi apagada propositalmente, moldando nossa percepção do que é ser humano. |
Bem, Carolina de Jesus foi uma
destas mulheres que deixou de existir pela borracha e como deixou de existir, a
mulher negra continua sendo vista como a sociedade moldou forçadamente nosso
imaginário: a morena fogosa, que rebola um pouco mais.
É com o apagador das elites que
nossas cabeças começam a interpretar o que é a mulher branca, a mulher negra, o(a)
homossexual, o(a) índio, o(a) africano(a), o(a) pobre e favelado(a). Apesar
disso, ainda há tempo para resgatar a memória destas heroínas e heróis que
foram tragados da memória da história convencional e aprender um pouco mais,
não só sobre Carolina de Jesus, mas sobre todas as outras e outros que vivem
enterrados no esquecimento da manipulação.
Quem são os negros, mulheres, homossexuais, pobres, retirantes, africanos e latinos, de acordo com seu ponto de vista? |
Quem sabe assim, não começamos a
perceber que a vida que vivemos é apenas uma mentira fabricada, uma história em
quadrinhos sobre os acontecimentos humanos, que servem para continuar a
justificar a violência e a opressão. Todos nós sabemos que história em
quadrinhos é só uma fantasia, então por que temos que continuar a acreditar
naquela grande história em quadrinhos que aprendemos na escola como história da
humanidade?
Paz!
Leia “Quarto de
despejo”, de Carolina de Jesus. Para saber mais, clique aqui
Imagens retiradas de Pixabay
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