A Escolha da Polícia - sim, ela pode mudar o jogo
Por: Camila Gomes Victorino
Eles têm escolha? Nós temos escolha? Fonte: Mc-Leandro |
Você tem sempre escolha? Você se acha responsável por seguir
a ordem de sua chefe ou você prefere assumir que sua chefe é a responsável por
suas ações?
De uma maneira mais clara, vamos perguntar o seguinte: se
uma pessoa tem um emprego de torturador e alguém a manda torturar, é ela a
responsável pela tortura? E no caso de um policial? Até que ponto podemos
responsabilizar cada policial pela brutal escolha de dar cacetadas com sua bota
na cabeça de um jovem imobilizado por outros três policias? Ou nem indo tão
além: responsabilizá-lo pelo fato de ir trabalhar contra a greve de
Metroviários, que possivelmente beneficiaria muitos de seus familiares?
E se os soldados se negassem a servir? Fonte: IdadeCerta |
Recentemente eu tive uma discussão virtual sobre este tema e
resolvi expor a questão no blog. Por um lado, existem muitas pessoas que
assumem que a culpa não é exatamente da polícia, mas do governo. É como se o
policial da Choque, que trabalha nas manifestações, não tivesse nenhum tipo de
livre-arbítrio e funcionasse como uma espécie de robô, que é programado para
bater, por um senhor de marionetes mais poderoso. Ao mesmo tempo, existe também
a explicação de que a polícia violenta (ou qualquer outro malfeitor) até sabe
que está fazendo algo que vai contra seus próprios interesses de classe, mas
que age pela necessidade do emprego, que vai perder, caso não cumpra ordens.
Na realidade, a maioria das pessoas que acredita na
descupabilização apóia esta segunda hipótese e hoje eu gostaria de debater esta
questão.
Não fazer nada é também uma escolha e ela tem consequências. Fonte: Gospel10 |
Em primeiro lugar, eu não acredito que as pessoas possam
desligar a responsabilidade pelas suas escolhas em uma ocasião específica.
Assim, se nós podemos escolher qual o sabor de sorvete que queremos comprar,
nós também podemos escolher se vamos acatar ou não a uma ordem. Claro que toda
pessoa tem um campo limitado de livre-arbítrio. Ninguém irá dizer que qualquer
pessoa tem uma mesma quantidade de livre-arbítrio que outra, afinal nossa sociedade
é bastante desigual. Mas isso infere que para algumas ações o livre-arbítrio –
ou nossa capacidade de escolher – desaparece? Não! Ela continua a existir, mas
as possibilidades de escolha apenas se tornam outras dependendo da classe
social em que somos inseridos.
É a nossa consciência que nos aprisiona na ideia de que devemos seguir ordens e de que não somos responsáveis por segui-las. Fonte: ConscienciaEuSou |
Assim, se você é catador de lixo, você não terá a
possibilidade de vir a escolher entre Madrid ou Califórnia como férias de
inverno, porém você é perfeitamente capaz de escolher fazer um gato à escondida
na fiação de luz do vizinho ou pedir luz “emprestada” para ele ao invés de
enganá-lo. Outro caso: você é professor de geografia e a diretoria decide que
você deve ceder o espaço da aula para uma pequena palestra da Monsanto sobre os
benefícios dos transgênicos na alimentação. Você sabe dos perigos dos
transgênicos, mas aceita a proposta com medo de ser mandado embora. A
responsabilidade é sua se as crianças saírem dali comprando e estimulando os
pais a usarem transgênicos ou você apenas é um acatador de ordens da diretoria?
Não é a cadeia alimentar, o ferro, as proteínas que nos fazem comer carne. É nossa escolha por um dos lados da moeda. Fonte: DescobrindoPortugal |
Todos nós temos escolhas e mesmo que elas sejam às vezes
subordinadas às ordens de outros, nós ainda somos responsáveis por decidir se
vamos acatar ou não a ordem gerada. Se a conseqüência pode ser a da perda de
emprego ou até a prisão, a responsabilidade nem por isso deve ser retirada
daquele que realiza a ação, pois ela não tem relação com a conseqüência, mas
com o ato de agir.
É difícil admitir isso. Isso porque, para todos nós, é mais
fácil admitir que a responsabilidade pela nossa vida nunca é nossa, mas de
outra pessoa que nos levou a uma atitude ou outra. Claro que aqui eu não me
refiro àquilo que vem do nascimento, como a condição social, ambiental e
genética, mas me refiro àqueles momentos de nossa vida em que sentimos que
deveríamos agir corretamente, mas, por falta de coragem, preferimos culpar o
mandante a perceber que nós também tivemos nossa responsabilidade ao acatar a
ordem.
Não é porque é engraçado ou porque é inocente. A escolha de fazer piadas machistas é a posição que você escolheu dentro do jogo. Fonte: MacaEnvenenada |
Este texto não é sobre a polícia. É sobre todos nós. Eu
acredito que a polícia esteja agindo violentamente porque lhe apraz. Não é uma
questão de apontar o dedo e delatar o culpado, mas apenas deixar claro que cada
indivíduo nesta sociedade tem sua parcela de responsabilidade quando decide
acatar ou negar uma ordem ou até deixar de ter chefes.
Acredito que quando percebermos que somos nós os
responsáveis por nossas ações, as pessoas, talvez aí sim, ganhem coragem para
agir corretamente, até porque, neste momento, não haverá a quem responsabilizar,
a não ser a você mesmo. Neste momento, talvez nós saibamos que se eu vou para a
guerra e mato uma criança a tiros é porque eu quis e não porque alguém mandou;
se eu como um pedaço de bife, não é porque a cadeia alimentar assim quis, mas
porque eu decidi assim; se eu decido que minha filha não pode jogar futebol e
meu filho não pode dançar, não é porque é a natureza, é porque eu quis.
Não é questão de apontar o dedo, mas de nos tornarmos mais conscientes sobre a responsabilidade de nossas escolhas e até mesmo mudá-las quando ainda há tempo. Fonte: Golfnina |
É importante saber do poder que temos como indivíduos neste
mundo, pois talvez nós abramos nossos olhos e comecemos a ver outras tantas
pessoas que se negaram a acatar ordens ou dizeres e até mesmo supostas leis
naturais para fazer o que acreditavam. Você sabia que alguns policiais se
negaram a combater as manifestações? Eles foram mandados embora, mas e se todos
o fizessem? Você sabia que muitos soldados americanos negaram-se a ir para a
Guerra do Iraque? Eles perderam vários direitos civis e até o apoio de
familiares, mas e se todos se negassem? Haveria guerras sem soldados? Você
sabia que mesmo em uma família de amantes de churrascos semanais, muitos estão
se negando a comer e torturar animais? Alguns “amigos” se afastam e muitos
viram chacota, mas e se todos parassem?
Mudar o mundo: nós podemos se quisermos. Vamos juntos! Na foto: "Nunca desista". Fonte: PhotoSensitive |
E se todos nós, de uma noite para o dia percebêssemos que
somos nós os responsáveis pela mesma turbulenta sociedade que nos oprime todos
os dias? E se todos nós decidíssemos que não vamos mais acatar ordens, não
vamos mais lutar em guerras, não vamos mais bater em gente, oprimir mulheres,
fazer piadas racistas, humilhar os gays, comprar animais, servir animais,
desrespeitar os idosos, xingar nossos filhos, oprimi-los com estereótipos,
preferir um celular a ajudar um mendigo, enfim, e se todos nós percebêssemos
que somos nós que mandamos e não eles?
O que aconteceria?
Paz!
Fato histórico: Mahatma
Gandhi se tornou em parte conhecido porque seu protesto era bastante
particular: ele empoderava as pessoas, fazendo-as acreditar em seu próprio
poder de ação e a negar-se a revidar a violência policial. Foi assim que, sem
temer as conseqüências que o governo britânico ditava ao manifestante, milhares
de pessoas foram presas por desacatar pacificamente a ordem, até que então,
todas as prisões ficaram lotadas, sem haver mais espaço para deter outros
manifestantes. Foi aí então que a própria fonte do medo começou a se mostrar
irreal.
Para saber mais:
se você quer se convencer de que você consegue sim seguir seus próprios ideais,
sugiro a leitura do livro: The Will to
Resist: Soldiers Who Refuse to Fight in Iraq and Afghanistan, (Haymarket Books, 2009), de Dahr Jamail.
Esta é a história de como soldados norte-americanos decidiram se recusar a
acatar ordens e seguir seus ideais.
Gostou? Compartilhe e faça a mudança acontecer!
Labels
REFLEXÕES
Post A Comment
Um comentário :