O País Que Odeia As Mulheres
Por: Camila do Arco-Íris
Ninguém disse que é novo o fato de que somos odiadas e vistas como coisas por muitos homens, mas ainda assim choca que o estupro corretivo seja tão popular. Fonte: Cleofas |
Tsultrim Allione, autora do livro “Mulheres de sabedoria”
(versão original em inglês “Women of wisdom”) disse em seu livro que a
humanidade está atrofiada e isso porque o princípio feminino, que deveria fazer
parte tanto da mulher quanto do homem, está esquecido e massacrado e hoje o
substituímos por uma versão masculinizada do que seria a feminilidade.
Foi pensando nisso que não me espantei com a estatística
mostrando que 58% da população brasileira considera que a mulher mereça ser
estuprada se estiver vestindo roupas curtas ou “sexualmente excitantes” (estupro corretivo). Mas,
apesar do pouco espanto, vem o mal-estar, um mal-estar que começa pelo fato de
que muitos dos homens que conheci em minha vida devem ter esta mesma opinião.
Comecei a me ver no meio de estupradores potenciais ou de homens que usam a
desculpa do primitivismo e dos impulsos incontroláveis para justificar seus
atos delinquentes. Eu, que sou vegana, não engulo este tipo de desculpa
estúpida, porque, assim como muitos a usam para justificar a violência contra a
mulher, os mesmos usam o argumento para afirmar que é por isso que devemos
comer carne! “Está no nosso instinto matar e dominar!” Ao mesmo tempo, estes
mesmos seres afirmam que estão no topo da cadeia porque possuem novas estruturas
cerebrais que os permitem pensar e transformar-se no Homo racionalis!
O Brasil é o 51º país em igualdade de gêneros. Estamos longe. Fonte: Pódevídeo |
Ou seja, quando precisamos da inteligência para
afirmar o nosso poder sobre os outros o fazemos, mas quando precisamos usar a
nossa ignorância para afirmar nosso domínio, também a usamos. No fim,
empregamos qualquer desculpa estúpida para justificar o fato de que escolhemos
de livre e espontânea vontade desmerecer a vida do outro e massacrar uma alma
para toda a sua existência. Não acredito em impulsos incontroláveis e não desmereço
qualquer pessoa que seja, pelo nível educacional que tem. Todos nós,
analfabetos ou doutores temos uma ciência mínima do que destrói ou não destrói
a vida de um ser humano, afinal nós conseguimos, por um mínimo que seja, se
colocar no lugar do outro (a não ser em casos de doenças psiquiátricas, como
psicopatia). Claro que podemos melhorar a sensibilidade das pessoas através da
educação e esta educação de gênero do dia a dia ainda se mostra extremamente
violenta para com a mulher.
Não são só os homens que fortalecem o machismo. Fonte: Bol |
Mas quem ensina meninos a pensarem que são donos do mundo e
donos das mulheres? Vamos pensar: em quantos lares do Brasil as mães deixam os
filhos homens brincarem, enquanto não deixam as meninas se esquivarem para
ajudá-la em casa? E quantos pais homens não dão recompensas, como elogios e
presentes, quando o menino tem mais de uma namorada, mas ao mesmo tempo xingam
até de vagabunda, uma filha que às vezes só tem um? E na escola, quantas
atividades e lições não mostram no dia a dia que apenas os homens inventaram
toda a tecnologia existente no mundo (Veja mais em “História ao contrário” para
saber como isso não é verdade) ou mostram sempre exemplos de homens, e não de
mulheres, em posições ativas, como pensadores, empreendedores e pessoas púbicas,
enquanto mostram apenas figuras femininas como belezas ou donas de casa? E
quanto à mídia que mais repara na roupa da presidente do que no que ela está
falando? Ou no corpo das atrizes e apresentadoras, ao invés de se importar com
o que dizem?
Se aprendemos a acabar com o nosso machismo interno, nossos filhos e filhas serão educados para serem livres, independente do sexo. Fonte: Africas |
O alto índice de estupro no Brasil é maior responsabilidade
do estuprador, claro, mas quem olha a vítima com desdém na delegacia, quem
pergunta da roupa, da hora, do lugar em que estava - como se a estivesse
culpando - quem a pergunta se estava bêbada ou se saiu sem a companhia de um
homem são os pais, os policiais, a mídia e o nosso olhar julgador de todos os
dias. Quem é culpado é sempre o estuprador, mas quem encosta na mulher e se
aproveita no transporte público também; quem prefere a santinha para casar e
julga a Panicat ou a gostosa como “para comer” igualmente; quem despreza a
mulher que ainda não casou ou que não teve filhos e quem prefere a palavra de
um homem a de uma mulher intelectual é também, do mesmo modo, responsável.
Que nada nos defina, muito menos a roupa. Fonte: GrupodeGenero |
Vamos pensar bem: cada ação tem uma conseqüência e assim,
como é que nós poderíamos pensar que nossos pensamentos julgadores em relação a
prostitutas, “mulheres frutas” e qualquer saia curta na rua não teria uma
conseqüência na sociedade? Afinal, quantos pequenos comentários e pensamentos do
dia a dia são necessários para estimular e alimentar a mente de um menino, até
que por fim ele ache normal matar, violentar e bater em uma mulher?
Mesmo no caso das
mulheres, há também um julgamento muito forte em relação a outras colegas. O
que você acha que acontece quando uma colega julga a outra pelo excesso de
maquiagem ou pelo número de parceiros sexuais que ela teve? O número de
potenciais estupradores cai ou aumenta? E o que acontece quando um homem qualquer
(tu, ele, eles) transforma facilmente uma colega em pedaço de carne quando ela
o despreza, ou faz piadinha de que ela está irritada porque é mal comida ou está com TPM? Você
acha que o número de estupradores aumenta ou diminui quando este tema se inicia
em uma mesa de bar?
Nós precisamos mudar a ideia de que o sinônimo de humano é igual a homem. Talvez assim as mulheres não fiquem sempre em segundo plano. Fonte: BM |
Bem, todos nós somos culpados de alguma maneira, mas a culpa
nunca traz a solução e a única coisa que podemos fazer – caso não tenhamos uma
ONG ou participemos de algum movimento social – é prestar muita atenção ao
nosso olhar julgador e se esforçar muito para educar uma menina como se educa um menino
e tratar uma mulher como se fosse apenas mais um cara com calor!
Existem sempre aqueles estudos sensacionalistas sobre as
diferenças entre o homem e a mulher, mas eu prefiro pensar no que temos em
comum do que nas diferenças! Mulheres, assim como homens, sentem calor e assim
como homens, sentem dor quando os pêlos são puxados em uma sessão de depilação;
assim como homens, elas ficam com problemas nas costas e articulações quando
usam muito salto e assim como homens gostam de sexo; mulheres, assim como
homens, se sentem cansadas se chegam em casa do trabalho e ainda têm que cuidar
sozinhas dos filhos e da janta e assim como eles, elas se sentem exaustas se
trabalham o dia inteiro limpando a casa e cuidando dos filhos, mesmo que não
seja serviço remunerado.
Mais liberdade para ambos os sexos. Este ódio já durou tempo demais. Fonte: EscrevendoUmaFeminista |
Vamos pensar: assim como homens, mulheres possuem um órgão
sexual frágil e que pode ser ferido se violentado e, assim como homens, elas são
destruídas por inteiro quando alguém as trata com pedaço de carne e as estupra.
O que um homem sente quando um homem muito mais forte lhe dá um soco? Uma
mulher sente o mesmo quando um homem bate nela! E como um homem se sente quando
apanha e todos dizem que a culpa é dele e não do agressor? Bem, não vou
continuar! Estes são apenas exercícios que podemos fazer todos os dias para nos
colocarmos no lugar do outro e parar, de uma vez por todas, de julgar a mulher pela
TPM, pelo cabelo, maquiagem, saia curta ou longa, bunda grande ou pequena, pelo
prazer de cuidar dos filhos ou pela falta de desejo de tê-los!
Atrofiamos e até as cores agora nos são excluídas. Fonte: CoisadaNanda |
Somos atrofiados! Nossa sociedade é uma sociedade atrofiada
que mal sabe o que é o princípio feminino. Nós o confundimos com delicadeza,
purpurina, unicórnios rosas, passividade, humildade e irracionalidade, o que parece ser apenas um
conceito manipulador do patriarcado para dominar a mulher.
O que é ser mulher sem que o homem machista interfira neste
conceito? Não sabemos! E a única maneira de descobrirmos é começar a esmagar
não mais e mais as mulheres no seu dia a dia, mas destruir este machismo
cotidiano que nos habita e lutar contra aqueles que permeiam estas idéias
cheias de ódio.
Ane Tenzin Palmo uma monja budista ocidental, conta em sua
biografia que perguntou a um lama de alto nível se ele considerava possível que
as mulheres se tornassem Budas, no que ele respondeu que ela teria que se
transformar em homem para fazê-lo. Ane então retrucou perguntando: “o que é que
há no pênis de tão especial para que ele seja essencial para se tornar
iluminado?” Além disso, ela questionou: “será que é possível que exista alguma
vantagem neste mundo de possuir a forma feminina, já que, pelo que se diz, não
há nenhuma?”
O lama, então, partiu para refletir e voltou no dia seguinte
dizendo: “Eu pensei muito sobre suas questões e a resposta é que o pênis
realmente não traz nenhuma vantagem no processo iluminativo. Eu cheguei à
conclusão de que nascer na forma feminina traz a grande vantagem de que esta
não apresenta o enorme ego masculino que o homem infelizmente carrega.”*
Precisamos ver o que temos em comum e não o que temos de diferente. Fonte: WomenNewsNetwork |
Bem, acredito que esta história seja uma metáfora para
mostrar que o orgão sexual não traz diferenças grandiosas na concepção do que é
um ser humano e que o homem não deveria ser educado (por homens e mulheres)
para se considerar com mais direitos ou mais especial do que uma mulher,
afinal, isto não é uma vantagem, mas um passo a mais para a ignorância. Assim,
vamos esperar que no futuro nossa sociedade passe a perceber que a diferença
entre um pênis e uma vagina é pequena comparada a todas as outras igualdades
que homens e mulheres possuem e vamos trabalhar para que percebemos que estas
diferenças que vemos no dia a dia – como uma saia, um seio, uma profissão,
sejam apenas pequenos detalhes inúteis que nos tiram a atenção para o mais
importante: o que todos temos em comum uns com os outros.
Paz!
*Passagem retirada do livro “Women of wisdom” de Tsultrim
Alione.
Os resultados na íntegra da revista IPEA podem ser encontrados aqui
Para se colocar no lugar das mulheres, o incrível curta "Maioria oprimida" cria uma sociedade ao contrário, em que os homens são oprimidos pelas mulheres. Assista ao curta legendado em português abaixo:
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