Os Porquês NÃO Da Vivissecção
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Vergonha: dirão nossos futuros descendentes. Fonte: ComunicacaoChapaBranca |
O movimento dos direitos dos animais está cada vez mais
forte no Brasil e agora, com a ocupação do Instituto Royal e resgate dos
Beagles, o debate sobre a vivissecção ser ética ou não retorna com força total
e obriga às pessoas a refletirem e àqueles que são favoráveis à prática, de
reformularem seus argumentos para defender a prática.
Eu consigo entender um ser humano que é favorável a
experimentação em animais. Não sou um deles, mas há algum tempo atrás fui
daquelas que ficavam em cima do muro, sem saber o que fazer. Acho que tudo
começa com o coração. Nós sentimos que alguma coisa está errada, mas os
argumentos que te colocam na cabeça fazem com que você sempre fique em silêncio
diante dos olhos dos animais que você vê serem mutilados ainda vivos.
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O problema não é a falta de evidência de saber que sofrem, mas a legitimação social de considerá-los sem direito. Fonte: Santuário das Fadas |
Eu sou formada em biologia e antes de entrar na universidade
imaginava trabalhar na floresta, junto com os animais, estudando a vida e seu
comportamento. Para minha surpresa só vi morte. A biologia é uma ciência que
estuda a vida de uma maneira muito peculiar: através da morte dos animais. Foi
um choque! Eu nunca tinha pensado nos testes de laboratório até ter uma aula
experimental em que recebíamos em uma bandeja um sapo espinalado. Para
refazermos um experimento clássico de Galvani sobre músculos e corrente
elétrica recebíamos sapos que tiveram a espinha quebrada e, ainda vivos, tínhamos
que abri-los e estudar a reação dos músculos de sua perna à corrente elétrica.
Eu nunca vou esquecer aqueles olhos vivos e mudos, pois sentia dentro de mim
que ele me via e sabia. Não fui corajosa e heroica para sair da sala ou
reclamar ou me negar a fazer o teste. Observei os colegas rirem e percebi pela
primeira vez o prazer que as pessoas sentiam ao se manterem no controle de
algo, no caso o sapo. Nenhum respeito ao animal foi dado. Lá só havia jovens
brincando com o coração do sapo, outros dissecando outras regiões além da perna
e todos convictos de que nada faziam de errado, pois a autoridade (no caso o
professor) dissera que estava tudo bem e que ele não sentia nada.
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O modo de pensar dos fins que justificam os meios são é boa desculpa para legitimar a violência, mesmo quando sentimos que algo está errado. Fonte: MidiaIndependente |
Depois desta experiência fui me convencendo aos poucos do
crime que é a vivissecção. Para o espanto da maioria sou hoje estudante pesquisadora
de doutorado em Neurociências, em um campo cuja experimentação é realizada em
humanos. Lido todos os dias com pessoas favoráveis e que até debocham de
pessoas como eu, de veganos, ou que simplesmente consideram nosso ponto de
vista irreal e absurdo, mas aqui estou: cientista e anti-vivissecção e
considero isso uma vitória para mostrar que é possível fazer ciência sem matar.
Não acho que todos possam sentir o alarme tocar, dizendo que
algo está errado quando vêem um animal sendo torturado em um experimento. Sei
que alguns não sentem. Acredito que a sociedade viva em certo patamar de
violência devido a determinadas regras que nos são impostas desde que nascemos.
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Quando a sociedade apoia, nos sentimos no direito de agir como somos: violentos. Fonte: AnimaisFofos |
Acredito que quando uma autoridade nos diz que é errado usar seres humanos em
testes de destruição fisiológica, como os realizados em animais, o nosso
impulso de violentar um ser humano fique abafado, mas isso não quer dizer que
não realizaríamos experiências em seres humanos de “hierarquia inferior” se
isso fosse permitido. Digo isso por alguns pontos que pude observar:
primeiramente observei o prazer que muitos de meus colegas na biologia sentiam
ou comentavam ao destruir ou ver um animal sendo destruído.
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A questão sobre o controle social da violência intrínseca do indivíduo, mesmo que ela ainda esteja lá, é uma dos temas do filme "Laranja Mecânica". Fonte: Psipensamentos |
Imagino que este
seja o primeiro ponto a considerar, em que o sadismo faz parte de algumas
pessoas e que estas últimas focam sua energia sádica naquilo que a sociedade
permite se concentrar, como nos animais; em segundo lugar, constatei que estas
mesmas pessoas favoráveis aos “fins que justificam os meios”, com algumas
exceções, se diziam favoráveis a utilizar humanos em pesquisas, sem o seu
consentimento, como no caso de mendigos e presos. Me lembro bem de algumas experiências
marcantes em que uma professora de minha universidade afirmou em público ser
favorável ao uso de presos em experiências, considerando que poderíamos avançar
em muito a ciência e conhecimento em geral, salvando a vida de “pessoas de bem”
e se livrando do “lixo da sociedade”. Também me lembro de alguns colegas
comentando da inutilidade de leis que proibiam o uso de mendigos em
experimentos, pois isto estaria estancando a ciência.
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No filme "O jardineiro fiel"aborda-se a questão polêmica dos experimentos não consentidos em seres humanos. Fonte: Cineminha |
Acredito que nem todas as pessoas sejam tão insensíveis e em
momento algum digo que todas as pessoas a favor da vivissecção tenham este
tipo de pensamento em relação a humanos, porém é bem possível que a maioria das
pessoas que sejam favoráveis ao dilema dos fins justificando os meios estejam apenas
protegidas de si mesmas pelas leis que proíbem a tortura em seres humanos, fazendo
isso apenas com os animais.
Vamos imaginar um mundo em que pessoas consideradas
“inferiores” pelo sistema pudessem ser usadas em experimentos que fizessem a
ciência avançar. Vamos olhar para dentro de nós e ver se seríamos capazes de
ser ou não favoráveis a este tipo de experimento. Vamos considerar que desde
pequenos fomos ensinados pelas autoridades que certas cores ou certas raças não
são humanas ou menos humanas, mas que possuem fisiologia similar à da casta
mais alta e que por isso seriam extremamente úteis para o avanço da ciência.
Claro que todos dirão que não concordariam! Afinal, ensinados desde crianças
que torturar humanos é sacrilégio, ninguém conseguiria supor que seria
favorável a tal ato de brutalidade. Mas, até aí, você, que foi ensinado a
considerar qualquer outro animal não humano como inferior ou com menos
direitos, considera que aí sim os fins justificam os meios.
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Até que ponto somos educados para agir violentamente somente contra alguns e não outros? Fonte: Divas e Contrabaixos |
Para mim, tudo não passa de regras pré-estabelecidas e
educação, dando valor e ensinando a dar valor a alguns seres e a outros não. Na
sociedade atual é permitido fazer experimentos em animais não humanos porque
fomos ensinados que eles têm menos valor, sendo, portanto permitido. Se vivêssemos
em uma sociedade em que a prática pudesse ser feita em “sub-humanos”, classe
criada pela nova sociedade, nós também concordaríamos. E se vivêssemos em uma
sociedade que considerasse os humanos como guardiões do planeta e em que outras
espécies também fossem consideradas irmãs e dignas de direito, a sociedade em
que vivemos hoje seria igualmente considerada bárbara.
Mas, esta ultima sociedade ainda é uma utopia! Afinal, o
problema é que a violência que emana de nossa consciência é tão preponderante
que sempre criamos alguém ou algo para subjugar e, gerando “seres inferiores”,
nós nos aproveitamos desta hierarquia cultural para gerar crimes, promover a
destruição da vida e justificar os fins. Sempre!
No fundo, tudo não passa de educação para a violência e legitimação
da autoridade. Uma dupla imbatível e imprescindível na formulação dos meios e
dos fins.
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O experimento de Milgram mostra o que realmente somos nós e como podemos mudar isso. Fonte: NIU |
Quer ter provas? Em 1963 Stanley Milgram, pesquisador
renomado da área de psicologia, realizou um experimento para mostrar o poder
que a autoridade exercia sobre o comportamento dos indivíduos. Em uma sala, um
experimentador apresentava o voluntário a um falso voluntário (um ator) dizendo
que ambos participariam de um jogo de perguntas. O ator ficaria em uma sala
preso por amarras e receberia choques por cada erro que cometesse e o
verdadeiro voluntário deveria ministrar os choques e aumentar a voltagem a cada
erro que o ator cometesse. A dose de choques ia de uma dose baixa, até uma dose
letal e o voluntário verdadeiro, em hipótese alguma, sabia que o outro era
apenas um ator, fingindo sentir dor.
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Em algumas sociedades alguns humanos foram considerados inferiores. Nestas mesmas sociedades, algumas pessoas lutaram contra aquilo que todos pareciam concordar. Fonte: EcoSocialistHorizons |
No começo, os voluntários administravam o
choque de baixa voltagem sem reclamar e iam aumentando a dose até a tarja de
voltagem considerada perigosa. Quando eles ficavam em dúvida sobre administrar
ou não as doses dolorosas, o experimentador dizia que eles deveriam continuar, pelo
bem do experimento. Mais tarde, o ator começava a gemer e pedia para sair da
sala, pois estava preso em amarras, mas em nenhum momento, os voluntários reais
pararam de aumentar a dose, mesmo quando o ator parou de responder, indicando
morte. Pouquíssimos voluntários se negaram a parar o experimento e a grande
maioria, depois de questionada do porquê de continuar a aumentar a voltagem,
mesmo ouvindo os gritos do ator, diziam que continuaram porque consideravam os
fins científicos importantes, transferindo a responsabilidade para o
experimentador, que pedia para que eles prosseguissem.
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Podemos construir uma sociedade em que os animais não humanos também têm direito à vida. Fonte: BeneditoFurtado |
O vídeo deste experimento vai abaixo, para que vocês possam
constatar por vocês mesmos, como o sadismo e a falta de culpa está intrincada
dentro de nós e como ela se manifesta quando há legitimidade para agir
violentamente. Acredito que este experimento não mostre somente o poder da
autoridade sobre um indivíduo, mas o fato de que nós somos capazes de fazer
crueldades e matar qualquer coisa quando apelamos para os fins, justificando os
meios, principalmente quando nos é permitido, por alguma autoridade, de fazer
isso.
Para mim, fica claro que o problema dos direitos dos animais
e das pessoas sendo favoráveis à vivissecção é um problema do educação e
legitimação da violência. Não é uma questão de produzir remédios e salvar os
doentes ou uma questão de produzir novas tecnologias; o que a questão da
vivissecção envolve é o fato de que nossa já costumeira violência interna usa
a legitimação social dos animais como seres sem direito, para usá-los para
apressar determinadas conquistas sociais. Isso poderia acontecer com mendigos
ou com presos, ou com africanos (como ainda ocorre), mas como nossa sociedade
considera que determinadas espécies são inferiores, são elas os alvos dos
“meios” que justificam os fins.
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Ha muito mais o que fazer para salvar a vida das pessoas e este muito mais está mais relacionado ao fim da violência d que aumentá-la. Fonte: O séculoXX |
Não acredito que existam AINDA todas as alternativas para trocar
os animais por modelos em pesquisa, como dizem alguns defensores dos direitos
dos animais, mas este não é o ponto! O ponto é que se quisermos sair de nossa
natureza sádica e violenta, temos que parar de macular a vida e fazer sofrer
seres que a própria ciência já constatou sentir dor. E é esta ação que é
extremamente necessária para salvarmos as tantas vidas humanas que os
favoráveis dizem querer salvar para produzir remédios, para curar o câncer ou
para fazer andar um cadeirante!
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Qual modelo de ser humano queremos ser? Fonte: CabanaOn |
Afinal, as doenças que mais matam no mundo são as doenças da
violência: a diarreia, a sub-nutrição, as guerras, a violência do trânsito, a
ganância, o ódio. Atualmente temos mais mortes por doenças facilmente curáveis
e que nem mesmo necessitam de fármacos (mas apenas de saneamento básico) do que
podemos imaginar. Atualmente, muitos cânceres possuem profilaxia constatada
pela alimentação correta e ambiente limpo. Atualmente, a ganância, a guerra e o
territorialismo são as maiores responsáveis pelas mutilações, perda de membros
e movimentos.
Por que não apostar na profilaxia? Ou no fim da violência
que temos dentro de nós? Ou em melhorar a estrutura social? Não faz sentido
nenhum querer curar doenças, incentivando em nós, justamente aquilo que causa a
maior proporção de doenças no mundo: a violência.
Que venha o debate e que pelo menos este texto sirva para
fazer as pessoas refletirem sobre o que realmente são, para enfim pararem de
mutilar a vida e dar por completo a missão a que viemos neste planeta: guardar
a Terra e não subjugá-la.
O experimento de Stanley Milgram - Vejam e choquem-se.
Mais sobre vivissecção
George Guimarães, da ONG Veddas, sobre vivissecção
Artigos sobre vivssecção - Veddas
Paz!
Autora: Camila Arvoredo
Autora: Camila Arvoredo
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